o teu corpo foi o descanso de todas as minhas tempestades.
atravessei-te a pele com a fúria desesperada do deserto de onde vinha e atei na tua boca a corda por cima do abismo da minha solidão. descobri a saudade no ar que me falta na esperança quando vais e preciso dos teus dedos para colher debaixo da luz quente da tarde, os primeiros frutos da promessa que fizemos.
o teu corpo foi o fim do provisório e tu a sorrires incendiavas-me a impaciência e derretia-la, devagar, nas esquinas do teu corpo, onde era absolutamente necessário que eu passasse e o meu cheiro ficasse preso nos poros luminosos da manhã que querias levar nos olhos.
o teu corpo ensinou-me a escrever no parêntesis das tuas pernas, a demorar em ti o calor como se quisesses que te sublinhasse dentro o espanto do nosso encontro. o teu corpo a fazer a travessia perigosa do mar das minhas dúvidas, da névoa súbita dos meus sonhos e as tuas pernas agarrando a luz repentina de uma manhã que se fez maior, os teus braços atando em volta do meu pescoço os nós de uma caligrafia que dizia amor.
o teu corpo que eu encontrei numa cidade onde parei apenas porque o disco dos sonhos andava riscado; o teu corpo que me falou do outro lado de uma mesa - a língua era estrangeira e a forma como te impuseste foi como aprender um verbo novo e deixar a língua presa no prazer de o repetir até à exaustão. o teu corpo como um céu onde se visse dentro da noite, onde se acendessem todos os absurdos com a cadência de aves que regressam.
o teu corpo a reluzir na imobilidade dos hábitos, no aço vazio da caixa onde se arrumam os sonhos como sacos vazios de que não lembramos mais o conteúdo. o teu corpo a ser, de súbito, um miradouro rasgado de onde vejo a cidade enquanto te mordo na boca a distância e a cuspo para dentro do escuro onde escondi também todas as despedidas.
o teu corpo como a memória salgada das múltiplas marés cheias dentro da minha pele, de luas eternas a brincar no licor espesso da noite com o coração dos homens.
o teu corpo como a memória salgada das múltiplas marés cheias dentro da minha pele, de luas eternas a brincar no licor espesso da noite com o coração dos homens.
o teu corpo como um dedo apontado ao meu peito, como um sismo numa escala desconhecida que faz vibrar as sílabas de todas as frases, de todos os livros, de cada um dos lugares de mim onde a tinta da vida se havia desgastado um pouco.
o teu corpo como a praia onde vou entornar todos os sonhos, afogar nas ondas ofegantes do mar os restos de angústia dos tempos da caverna da tua ausência.
o teu corpo rasgado mil vezes pela fome violenta do meu, escrito, riscado e amachucado outras mil antes que alguém acenda a luz do dia. o teu corpo conjugado na gramática irrequieta em que as roupas acabam no chão e, de improviso, é hora de traçarmos uma linha em que se alarga sempre o horizonte. o teu corpo como um estuário silencioso para onde corre a ternura e onde o céu cúmplice escurece sempre mais cedo.
o teu corpo.
a minha voz sempre os braços que o envolvem.
e a minha língua presa no vício de inventar regressos.
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