ia só dizer-te que era bom que ficasses.
as ruas estão calmas, o sol desenha-te nas costas promessas que podiam ser as minhas e a tua mala está desfeita toda nas gavetas do teu lado.
ia dizer-te que os teus vestidos quase recusaram as mãos que os fizeram inúteis. os meus dedos eram tesouras e havia vontade de te dizer o nome no escuro.
ia dizer-te que havia restos acesos da minha pele nos bolsos das tuas calças - quase um bilhete que dizia "eu volto, não vás embora."
ia dizer-te que os discos estão preguiçosos - trazem um vício de esperar por ti, de repetir para dentro da barriga quente das noites sem horas, os pedaços de sonho de que precisas.
ia dizer-te que sinto falta das tuas pernas todas escritas de arrepios e de ter na boca o sabor da luz molhada do teu desejo.
ia dizer-te que os teus livros trazem no pó das lombadas frias cada uma das horas da espera - diz que vens, que ao menos vens a tempo de devolver à paisagem uma razão para existir mesmo debaixo da nossa janela.
ia dizer-te que há fotografias nossas que trazem escritas datas de dias por vir - estás linda com esse sorriso a dizer que os meus braços te servem e eu pareço tolinho como se arremessasse contra o mundo todo a cal pura desse encontro.
ia dizer-te que os meus versos farejam o teu rasto - andam soltos e trazem fome e são um vento repetindo uma canção por entre as rochas.
ia dizer-te que o papel em branco escolhe somente palavras que te chamem: água porque o mar ainda se lembra dos teus olhos, silêncio como se em tudo se recusasse o adeus e outono para que o chão se cubra de folhas que escondam a distância.
ia dizer-te que vou fazer-te a cama por entre as linhas de toda a prosa que escreva - hei de inventar advérbios que pareçam verbos e verbos que pareçam nomes - tudo para acabar, por acaso, na esquina que o teu nome faz no meu.
ia dizer-te que ficou muito de mim no que de teu ainda existe nesta casa.
ia dizer-te mas talvez já não ouças.
era mesmo bom que ficasses.
só porque ainda há gavetas e estas ficam mesmo do meu lado.
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