ainda os teus dedos do lado de dentro de todas as portas. como se esperasses.
os meus olhos guiando o incêndio do fim do dia para dentro da tua pele, onde os meus dedos desenham pedaços de verdade por existir.
ainda me parece que a tua boca passeia o meu nome quase como se todos os voos cumpridos fossem um regresso, quase como se em todos os enganos se abrisse a clareira de um encontro.
sabes, a mão que te estendo ainda traz o vício do contorno dos teus lábios, ela ainda sabe dançar a escuridão arrepiada do lado de dentro dos teus sonhos como se a tua ausência fosse uma estrada demasiado longa para percorrer.
as mãos chegam sempre primeiro que as palavras - todos os poemas são feitos dos milagres que apenas o silêncio guarda, todas as rimas são vidros que embaciam o mundo para esconder que as horas acabam e vamos ter de ir.
as mãos chegam sempre primeiro que as palavras - entre ti e elas há um diálogo antigo em que tu lhes ensinas como negociar a vertigem de todas as ofertas, em que tu lhes ensinas a gramática inventada em que os verbos se conjugam do avesso como janelas que se abrem apesar do frio.
as mãos têm sempre pressa, meu amor. antes que a boca lamba as feridas, é delas a insistência, é delas a paisagem infinita do teu corpo, são elas o último autocarro onde é possível chegar ao fundo dos teus olhos e ficar.
as mãos dentro do teu vestido, as mãos cravadas inteiras num esquisso inacabado de eternidade, as mãos entrando devagar na luz que se solta dos teus braços como um beijo.
as mãos antes das palavras - a maré a subir antes do dia, a praia afogada toda e dentro de ti um naufrágio todo de luar e de saudade.
não sei, amor, porque hão de chegar sempre primeiro as mãos. talvez elas venham quebrar nas ondas a altivez do orgulho, talvez sejam elas quem rompe no labirinto da memória, o nome que as coisas tinham no princípio.
não sei, amor. talvez as palavras não guardem tanto do cheiro das pétalas do teu nome como as mãos que o morderam e se abraçaram a ele tantas vezes. talvez seja isso, mas não sei.
as mãos vão buscar o mar a que habituaste a janela dos meus olhos e o superlativo de tudo que a voz nunca soube aprender.
as mãos vão buscar-te a ti, meu amor.
e o poema somos nós e o silêncio do mundo por cima de tudo.
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