fala-me de amor como me falas de outras coisas.
e, sobretudo, sorri-me para dentro dos olhos como se fosses ficar para sempre comigo debaixo deste céu que é a caixa de todos os meus versos.
fala-me de amor como se pudesses deixar os lençóis embrulhados na memória feliz de cada uma das noites em que dia se levantou antes de nós.
fala-me de amor como se fosses dobrar todas as esperas nos braços vazios das camisas que guardam o meu cheiro.
fala-me de amor como se te esquecesses do casaco e eu pudesse pousar-te os braços devagar e fazer deles a metáfora ansiosa do desejo.
fala-me de amor como se fosses dançar-me dentro dos braços o vício de repetires o meu nome como se me chamasses, como se quisesses enterrar-me na carne húmida da língua que me espera.
fala-me de amor como se me ensinasses a procurar-te sempre nas veias do pescoço e me mostrasses nelas o caminho para casa, por entre os ossos.
fala-me de amor como se o teu cabelo tivesse ainda presos restos da fome que os meus dedos traziam por matar.
fala-me de amor como se corresses nua pela casa e te esquecesses da tua sombra adormecida na varanda anoitecida dos meus braços.
fala-me de amor como se me desatasses dentro do peito os nós todos da espera que foi para te encontrar.
fala-me de amor como se não pudessem desbotar nunca as imagens que a tua boca engoliu na travessia da minha pele.
fala-me de amor como se fosses comigo atirar ao rio todas as pedras da distância e, depois de cansados, ainda pudéssemos dar um ao outro os sonhos que nos emprestou a madrugada.
fala-me de amor como se o meu corpo fosse a vírgula que te agarra antes que te percas sozinha num deserto.
fala-me de amor como se me falasses de outras coisas.
o amor é a tua voz.
o amor é cada uma das coisas de que falas
e o longe onde nunca deixo de te ouvir.
e o longe onde nunca deixo de te ouvir.
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