Rewind

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

às vezes, esqueces-me,

às vezes, sei que quase me esqueces.
 
o meu nome é comprido, não sei como fazes.
 
mas esqueces.
 
o amor pode ser um lugar desarrumado, sabes?
 
talvez te falte espaço nas gavetas, deve ser isso.
 
ou talvez o vento tenha varrido todas as vezes que te fiz sorrir, se acaso a janela junto à cama ficou aberta.
 
[fecha a janela, peço-te]
 
preciso que lavres os enganos todos do meu peito, que arranjes uns olhos que me adivinhem sempre dentro do escuro e não se percam nunca de mim.
 
lembra-te, se puderes, de como fazíamos tremer soalhos, de como havia facas e fogo dentro dos ossos das minhas pernas atando nas tuas um segredo qualquer.
 
deita fora a lembrança das feridas, apaga todos os pontos finais de cada um dos livros que tenhas e põe-te a inventar um poema onde eu possa entrar.
 
a porta pode ficar encostada,
 
vá lá, 
 
trago na pele a textura da espera - prometo deixar secar a tinta inteira dos teus desejos, juro deixar até que me insultes com esse ar de quem quer um beijo sem ter que pedir.
 
sabes, amor, não devias queimar o arquivo.
 
senta-te e põe-te a lembrar.
 
os meus olhos todos cheios de ti, poemas que rasgam as margens do papel e versos que se atrasam para que o fim se esqueça sempre de nós.
 
lembra-te de como as estradas desapareciam sempre. sim, quem ama não tem sentido de orientação e, talvez por isso, não saiba como partir.
 
sabes, escrevi-te tantas coisas que não disse e disse-te tantas outras coisas que não escrevi.
 
procura nas sombras, na pele húmida dos azulejos onde respirámos juntos tantas vezes, na segunda gaveta da secretária, talvez. procura nas flores tristes da varanda, debaixo da tua almofada onde talvez ainda reste de mim um cheiro doce.
 
talvez o teu coração ensaie uma tentativa de saudade e eu regresse.
 
às vezes, tentas esquecer-me.
 
o meu nome é comprido. não sei como fazes.
 
e os meus braços são ainda maiores, os meus olhos acham-te sempre tão linda e o único talento dos meus dedos é desenhar-te nas linhas do corpo todas as razões para que fiques.
 
mesmo assim, és teimosa.
 
lembra-te de como aprendi a dançar por ti - dançar é ir atrás de ti e do teu cheiro enquanto a música toca e eu não sei que raio de letra tem.
 
os teus lábios, esses é que cantam.
 
esquece-te de mim, se quiseres.
 
mas não esqueças o amor que te deixei por dar no fundo da cama.
 
está frio, agora.
 
e eu sei como gostas que te aqueça devagar. 

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