amor, as nossas línguas, às vezes, coincidiam.
lembras-te?
fixavas-me os olhos e eu desatava com os dedos os restos de mundo que te pesavam na pele - o vestido, os sapatos, essa roupa interior que me lembro de te ter dado, esse excesso que a falta de nós era para ti.
o abraço começava no encontro apertado dos nossos lábios - sempre andámos nus dentro dos olhos um do outro, sempre houve umas mãos dadas naquilo que dizíamos e sempre quisemos escrever para o outro uma condenação a um amor que doesse como dói tudo o que é belo.
a tua língua abraçava-se na minha dentro do escuro.
as palavras depois disso eram todas feitas do improviso que merecia cada um dos nossos encontros - sempre tão cheios dessa fome espantada de sonho e de desejo.
foi contigo que pude pôr a rimar a sombra do meu peito com a luz de um sorriso bom.
[que bonito era o teu sorriso, meu amor]
a tua língua, dizia, abraçava-se na minha no escuro.
depois disso, os meus dedos inventavam uma nova forma de nos ensarilhar os corpos, as cordas das tuas mãos a apunhalarem-me o fundo das costas invasoras, o teu peito cheio do pó da vertigem e do suor.
foi contigo que aprendi a conjugar os verbos do silêncio - o silêncio move-se quando as sombras se enchem de promessas impossíveis, até as paredes parecem maiores quando os corpos, dentro um do outro, precisam de um céu mais alto e mais eterno.
foi contigo que aprendi a usar a espera como um rastilho - o sangue nunca pára, mas tu ensinaste-lhe o caminho, amor.
e eu fico a repetir-te o retrato vezes sem conta com os dedos esganados de saudade nos bolsos das calças. trago neles restos do luar frio da noite em que disseste
não queria que amar-te fosse tão fácil, sabes?
eu bem te disse, amor, que não andássemos tanto tempo nus dentro dos sonhos um do outro.
o amor acontece quando respiramos os dois dentro da mesma sombra.
o amor acontece quando respiramos
e essa sombra somos nós.
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