talvez daqui já não me ouças, amor.
[mas não importa.]
esqueci-me do caminho para casa, sabes?
é uma burrice, eu sei.
sempre me disseste que não andasse distraído, que tomasse atenção.
mas, para mim, todas as ruas eram apenas pretextos para matar em ti a fome dos meus olhos.
o ar das recordações ainda é o da tua boca a dizer
é por aqui
e eu ia, convencido de que, fosse qual fosse o lugar, haveríamos, tu e eu, de lhe chamar casa.
sem ti, todas as ruas se confundem enormes no espaço da tua ausência.
sabes, faz-me falta mover-me dentro do teu corpo. agora, apenas a memória te move os braços, te acende os olhos e te morde a boca e eu lembro-me de que não era preciso dizeres
é por aqui
ao teu corpo, a esse vi-o com as mãos. no teu corpo cumpri tantas promessas que não te fiz.
mas preciso de chegar a casa. preciso de acreditar que vamos lá chegar os dois e tu
tem calma
as minhas mãos a agarrarem-te debaixo do vestido como se fossem palavras de suor nos poros abertos do silêncio.
nós os dois demasiado cegos da luz um do outro, nós os dois a tropeçarmos nos cordões desapertados de um coração ansioso.
preciso que voltes, amor.
preciso de uma só pista que me salve.
talvez os meus lábios te saibam pedir desculpa ou inventar as palavras de que precisas para voltares a amar os meus braços, para voltares a querer desaparecer comigo no motim das nossas peles.
gostava que viesses de dentro do fumo frio deste Outono que chega. gostava que as tuas mãos pegassem nas minhas e me dissessem de novo
é por aqui
haveria de seguir contigo, desta vez atento e com os olhos cheios do medo de te perder
obrigado, amor.
isto dito com o sangue inteiro do meu corpo, isto repetido mil vezes com as letras que a minha saliva te deixasse dentro.
apenas tu tens as chaves.
preciso que abras a porta.
chegando à tua boca, depois eu sei
é por ali.
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