amor,
o tempo passou ser o número de passos que a vida me demora até à tua boca.
demoras?
eu estou aqui.
sim, aqui, nesta cama onde me deixaste habitar-te os olhos e eu descobri que um corpo apaixonado não pode nunca ser um corpo arrependido.
já fechei as janelas todas, é capaz de chover.
e já cobri a cabeça mil vezes com este lençol de espera que tem o teu cheiro. sabes, há aqui restos de palavras, frases cortadas a saliva, pequenos rumores de poesia que fazem a cama ranger devagar.
sabes, amor, o desejo aperta demais as roupas sobre o corpo.
estou aqui.
sim, aqui, nesta cama onde a minha pele ensaia os versos que vou escrever no vidro da janela do teu peito depois de, juntos, o embaciarmos cinco vezes.
é estranho pensar que o passado tenha que ter vindo dar aqui - um homem nunca pode imaginar que conhecer uma mulher lhe ensinará a fechar janelas para entreter o desejo.
ou que será por amor que o mesmo homem começa a acreditar que o futuro é como um autocarro que, de repente, passa todos os dias na rua já ali em baixo.
o homem corre muito, ela sorri.
este já é meu, diz ele, pondo-lhe no beijo a promessa de um regresso.
demoras?
amor, vem cumprir comigo, aqui, no abraço aceso das minhas pernas, o que te disse o meu beijo.
não sei se pode haver poemas que falem da fome dos corpos, de roupa que se despedaça para não atrapalhar o sonho; não sei se há rima que se compare ao abraço feliz dos nossos lábios.
não sei, amor, não sei.
sei apenas, amor, que incendiámos o lirismo inteiro e que o fogo chega cada vez alto quando me dizes,
mais uma vez,
demoras?
vem deitar-te comigo nesta cama.
sim, nesta cama, amor.
há ainda aqui restos de nós que fazem ranger a cama devagar.
vem sacudir comigo as estrelas todas que há no céu.
depois da chuva, que se abram as janelas.
e que a vida comece, finalmente.
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