às vezes, gosto de falar de ti.
há pessoas que acendem cigarros para roubarem ao tempo a pressa de se ir embora, outras há que dizem
só mais um bocadinho e já vou
mais cinco minutos
eu, amor, ponho-me a falar de ti.
depois de um abraço, um café
que saudades, pá, há quanto tempo, porra
conta-me coisas, que é feito da vida?
depois de se gastar a saudade toda em palavras, depois de a ternura ajudar a lamber todas as feridas, eu digo
ando tão feliz, pá.
e ponho-me a falar de como outro dia fomos passear os dois, de como estavas linda e de como a minha vaidade era discreta e não tinha mal nenhum.
ponho-me a dizer coisas sem sentido, quase à espera que se note, que quem me conhece saiba que há qualquer coisa, qualquer coisa como um vício.
mas dos bons.
ou que esse alguém simplesmente ache ridículo e não perceba como raio uma rua percorrida mil vezes pode, de repente, quase caber num postal daqueles que se enviam de longe a fazer inveja.
ponho-me a falar de ti e das coisas que fazemos os dois como se tivesse que justificar a clandestinidade que vivi contigo nos últimos tempos.
amar é trazer um segredo revelado nos olhos, sabes?
e falar das ruas desta cidade, falar dos últimos filmes que vi, falar de como ainda houve calor nestes primeiros dias de inverno é falar de ti.
há um restaurante novo, sabias?
é muito porreiro.
e, sem querer, lembro-me de como as tuas mãos passearam nas minhas pernas a noite toda.
os teus olhos cravados nos meus como duas estrelas cosidas na pele de um céu feliz.
que raio de tempo, este, pá.
chove e fica frio de repente.
e, sem querer, lembro-me de nós ensopados os dois até aos ossos - tu nesses calções tão óbvios como o desejo e, eu, sem saber como evitar cumprir a promessa repentina dos nossos sangues.
às vezes, gosto de falar de ti.
mais cinco minutos e já me calo.
só mais minutos e já vamos.
podia começar a fumar só para impedir que o tempo fuja tão depressa.
mas, não sei, prefiro falar de ti.
assim, talvez seja mais fácil acreditar que o tempo corre apenas porque tu já me esperas.
tenho mesmo de ir, pá
gostei de te ver
eu também
andas mesmo com boa cara
[amar, como te disse, é trazer nos olhos um segredo revelado.]
ela está à minha espera.
começou a chover, que merda.
mas, cá dentro, de repente, a chuva não era tão má assim.
podia ser que tivesses vestido aqueles calções.
e juro que andei mais depressa do que o tempo nessa hora.
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