sou eu?,
ainda hoje me rio ao lembrar-me de ti - sentada nua na cadeira em frente ao computador, uma camisa das que me deste e os meus óculos na ponta desse nariz atrevido.
um dos meus poemas nas tuas mãos,
esta aqui sou eu?
não me apeteceu responder-te logo.
tínhamos deixado na cama uma estrofe inteira por acabar,
deixa isso, vá lá,
quero saber, diz lá,
eu sorria ao ver os teus dedos pousados no papel; pousados nos beijos que me deste, os teus dedos todos dentro da minha boca,
e tu lias mais, a tua pele a arrepiar-se toda e os teus olhos a avançarem para mim como se, de repente, fosse tarde,
anda cá, amor, mostra-me lá como foi isto, outra vez,
e eu não podia deixar de rir,
todo o poema de amor se repete,
e, de novo, a métrica irrequieta do meu corpo dentro do teu,
uma, outra e mais uma vez,
[só nunca me digas que é a última]
os poemas inacabados em cima da secretária, algumas folhas espalhadas pelo chão.
e os meus lábios a declamarem-te o poema da carne junto ao ouvido.
amo-te, dizias.
e eu acreditava nesse teu silêncio que me engolia todo.
e dizia,
eu também. muito.
sabes, os poemas de amor escrevem-se sempre a duas mãos.
nascem sempre dos teus dedos na minha pele, dos teus olhos agarrados ao sonho dos meus, dos nossos corpos com medo de que as sombras que trazem não sejam as do outro.
todas as estrofes podiam começar com os teus olhos a abrirem-me a camisa,
depois, as tuas mãos cheias de pressa a rimarem com as minhas pernas que tremem,
e de, novo, os olhos como facas e a vontade de cavalgarmos o mundo a noite toda.
que belo poema se fez nesta cama, digo-te eu, a sorrir.
mas sou eu ali no papel, amor?
aquela sou eu?
amor, não há engano.
não vês que aquele sou eu?
e só podes ser tu ali comigo.
então porquê?
amor, o coração que bate nas tuas mãos é o mesmo do papel.
não vês?
juro que ainda agora o ouvi dizer o teu nome.
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