Encheu a casa de gente. As janelas abertas, os corpos estendidos e espalhados ali por perto. Tinha posto alegria na tona dos dias. As vozes eram alegres e nos seus ritmos e sentires, acreditou que a vida seguia. Mas de todas as vozes que ouvia, a que falava mais alto era a da ausência. A voz perfeitamente vazia e calada que os passos que não vêm só agudizam mais.
Tinha corpos perto. Mas nenhum lhe falava de todo um passado juntos - daqueles sonhos que o amor dos outros tinha posto no seu coração para desejar.
Há uma música que toca e o seu embalo ouve-o a noite que parece adormecer mais fundo.
Continuava a ouvir o som feliz que lhe gravara a memória. Só nunca pensou ficar feliz mas já não ter aquilo. Eis que percebeu que não podia, então, ficar feliz. Que, de facto, não ficava mais feliz ao lembrar o que os dias não trazem no bolso.
E nos bolsos pode guardar-se toda uma vida. Coisas pequenas, geralmente as mais importantes, e que enfiamos no bolso para continuar o caminho.
Olhou a noite. Lá em baixo, o rio largo e imenso como um oceano de calma. Boiavam luzes e a cidade dormia serena. Imaginou que pudesse estar por perto. Que estaria por perto, na mesma cidade. Apeteceu-lhe dizer que viesse para que não se perdessem mais.
E disse-o, em silêncio, o seu olhar preso no desenho das ruas.
Pensou que a calma do rio pudesse ser aparente. Que talvez no fundo que ninguém ouve clamasse ele por navios que já não voltam.
Saiu sem que ninguém desse conta. Escondeu na noite o corpo para não ter que esconder nada. A saudade que tinha encheu as ruas. E no sono da cidade houve duas pessoas que se encontraram. Não sabia se as cidades sonhavam ou não.
Fechou os olhos e tudo o que quis foi não ter que acordar.
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