Rewind

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

A amizade

(...)
”Foi então que apareceu a raposa.- Olá, bom dia! - Disse a raposa.- Olá, bom dia! - Respondeu delicadamente o principezinho que se voltou mas não viu ninguém.- Estou aqui – disse a voz – debaixo da macieira.- Quem és tu? - Perguntou o principezinho. - És bem bonita... – Sou uma raposa – disse a raposa.
(...) – Anda brincar comigo – pediu-lhe o principezinho. - Estou triste... – Não posso ir brincar contigo – disse a raposa. – Ainda ninguém me cativou...(...) – «Cativar» quer dizer o quê? – Perguntou o principezinho? – É a única coisa que toda a gente se esqueceu – disse a raposa. - Quer dizer criar laços… – «Criar Laços»?
- Sim, laços – disse a raposa. - Ora vê: por enquanto, tu não és para mim senão um rapazinho perfeitamente igual a cem mil outros rapazinhos. E eu não preciso de ti. E tu também não precisas de mim. Por enquanto, eu não sou para ti senão uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativares, passamos a precisar um do outro. Passas a ser único no mundo para mim. E eu também passo a ser única no mundo para ti...(...) – Tenho uma vida terrivelmente monótona. Eu, caço galinhas e os homens, caçam-me a mim. As galinhas são todas iguais umas com outras e os homens são todos parecidos uns com os outros. Por isso, às vezes, aborreço-me muito. Mas, se tu me cativares, a minha vida fica cheia de sol. Fico a conhecer uns passos diferentes de todos os outros passos. Os outros passos fazem-me fugir para debaixo da terra. Os teus hão-de chamar-me para fora da toca, como uma música. E depois, repara! Estás a ver aqueles campos de trigo ali adiante? Eu não como pão e, por isso, o trigo não me serve de nada. Os campos de trigo não me fazem lembrar de nada. E é uma triste coisa! Mas os teus cabelos são da cor do ouro. Então, quando tu me tiveres cativado, vai ser maravilhoso!
O trigo é dourado, e há-de fazer-me sempre lembrar de ti. E hei-de gostar do barulho do vento a bater no trigo...A raposa calou-se e ficou a olhar para o principezinho. durante muito tempo.- Por favor...cativa-me! - Acabou finalmente por pedir.
-Eu bem gostava – respondeu o principezinho –, mas não tenho muito tempo. Tenho amigos para descobrir e muitas coisas para compreender.
- Só compreendemos o que cativamos – disse a raposa. – Os homens deixaram de ter tempo para compreender o que quer que seja. Compram as coisas já prontas nas lojas. Contudo não há nenhuma loja onde possa comprar-se amizade e, portanto, os homens deixaram de ter amigos. Se queres um amigo, cativa-me…
- E tenho de fazer o quê? - Perguntou o principezinho.- Tens de ter muita paciência – respondeu a raposa. - Primeiro, sentas-te longe de mim…assim…na relva. Eu olho para ti pelo canto do olho e tu não me dizes nada. As palavras são uma fonte de mal-entendidos. Mas podes sentar-te cada dia um bocadinho mais perto...O principezinho voltou no dia seguinte.(...)Foi assim que o principezinho cativou a raposa. Mas quando chegou a hora da despedida:- Ai! - Exclamou a raposa – ai que me vou pôr a chorar... – A culpa é tua – disse o principezinho.- Eu não te desejava mal nenhum, mas tu quiseste que eu te cativasse…- Pois quis - disse a raposa.- Mas agora vais-te pôr a chorar! - Disse o principezinho.- Pois vou – disse a raposa.- Então não ganhaste nada com isso! – Ai isso é que ganhei! - Disse a raposa. - Por causa da cor do trigo... – E em seguida acrescentou:
-Anda, vai ver as rosas outra vez. Vais compreender que a tua é única no mundo. Quando vieres ter comigo, dou-te um presente de despedida: conto-te um segredo.

O principezinho afastou-se e foi ver as rosas outra vez.
-Voçês não são nada parecidas com a minha rosa – disse-lhes ele.
- Vocês não são nada. Ninguém vos cativou e vocês não cativaram ninguém. São como a minha raposa era quando a conheci. Ela era apenas uma raposa igual a outras cem mil raposas. Mas eu tornei-a minha amiga e ela passou a ser única no mundo.
E as rosas ficaram bastante arreliadas.

-Vocês são bonitas, mas vazias – insistiu o principezinho. – Não se pode morrer por vocês. É claro que para um transeunte qualquer, a minha rosa é igual a vocês. Mas sozinha, é muito mais importante do que vocês todas juntas. Porque foi ela que eu reguei; porque foi ela que eu protegi com o biombo. Porque foi por ela que eu matei as lagartas. Porque foi a ela que eu ouvi queixar-se, gabar-se e até, às vezes calar-se. Porque ela é a minha rosa.
E depois voltou para o pé da raposa e despediu-se:- Adeus... – Adeus – disse a raposa. E agora vou contar-te o tal segredo. É um segredo muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos... – O essencial é invisível para os olhos – repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer. – Foi o tempo que tu perdeste com a tua rosa que tornou a tua rosa tão importante. – Foi o tempo que eu perdi com a minha rosa... – repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer. – Os homens já se esqueceram desta verdade - disse a raposa. - Mas tu não te deves esquecer dela. Ficas responsável para todo o sempre por aquilo que cativaste. Tu és responsável pela tua rosa...’’

(O Principezinho - Antoine de Saint-Exupéry)

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