Rewind

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

A melhor mensagem de Natal*

" E às vezes, sabe, era a gente dar uma música ou uma carta... e ficava tudo bem".

Este foi o desabafo do Senhor Antunes quando me levou ontem ao Edifício onde vivem os boletins, as declarações e os impressos de letra pequenina e traiçoeira.
Na verdade, eu não sei se o taxista se chamava Senhor Antunes, mas aquele ar bonacheirão pediu-me que o baptizasse assim.

" - A senhora é a última passageira do meu ano. - disse o A.

- (eu, que ainda fico meio atordoada com o "senhora", e colada na papelada que tinha entre mãos para entregar numa qualquer Segurança Social da cidade, devo ter dado uma semi-resposta diplomática)

- (Num desprezo total pela minha preocupação com a papelada da Segurança Social) : `tá um frio do raio, não `tá?

- (achei impossível oferecer resistência àquele espontâneo "frio do raio"): É verdade. Olhe que comprava esta cidade por mais quente do que é na realidade.

Note-se que eu estava literalmente a referir-me aos graus térmicos. A minha vontade de saltar por cima dos carros e aterrar directamente no destino, seguida da vontade de saltar as filas da Segurança Social , impedia-me de qualquer raciocínio metafórico que procurasse aludir à "falta de aconchego" da cidade Lisboeta. Eu não estava nem aí, Senhor Antunes.

Mas o taxista, habituado a ouvir dizer mal da hostilidade dos seus conterrâneos, achou que sim, que eu tinha acabado de lançar a bela da metáfora. Posto isto, começou a discursar com a volúpia que lhe era possível ter no trajecto congestionado de véspera de Natal que nos acompanhava até à Avenida da República.

Expirou a saudade da filha que estava na Suiça, e da família da Beira Alta.
Falou não sei quê da perda, da solidão da casa, da companhia do carro.
Da nostalgia de quando jogava futebol nas ruas do Bairro da Graça, que à data não eram atravessadas por eléctricos.
Da Lisboa que está cada vez mais bonita, só que é feita de gente que vai e vem e não deixa raízes, "daí o sentimento da falta de proximidade reinante, de que muitos turistas e emigrantes se queixam".
Da vontade de brincar com os netos sem lhes dar brinquedos.
Do aperto por saber que dois grandes amigos seus não se falam há mais de dez anos..."os amigos com que jogava "o futebol do Bairro da Graça". Um que é guarda redes, o outro que era avançado.

"Agora, os dois à defesa"... - pensei eu, finalmente envolvida na empreitada das metáforas.

- "Uma estupidez, menina (num tão curto trajecto, eu passei felizmente de senhora a menina enquanto o diabo esfrega um olho)...
Andam praí na casmurrice do vira-a-cara e desta vida só vão levar a casmurrice.
Palermas um bocado como esta gente toda que anda histérica de centro comercial em centro comercial porque ainda faz falta comprar o milésimo jogo de computador para o décimo sobrinho. E é assim, minha senhora (nem faço comentários a esta inesperada mudança de tratamento).
E às vezes, sabe, era a gente dar uma música ou uma carta... e ficava tudo bem".


Por isso, meus muito queridos amigos, acho que está perfeitamente ao meu alcance concretizar esta tão sábia "antunice".
Aqui fica a carta. E aqui segue
a música com que acordei no dia de hoje.
É o meu presente de Natal... "para que fique tudo bem".

Um grande beijinho da amiga

Joana Trigueiros Reis


*Obrigado Joana

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