Ainda bem que me deram o dentro. E que aqui puseram o Amor. O Amor que é o sentido de tudo o que o não tem. O Amor que é esse mais dentro. De outra forma que sentido teriam as noites iluminadas por ti? Ou o mar azul que vejo no tecto do Mundo? Que sentido teriam os dias tão cheios de nada, tão cheios de dor e das feridas que a pena lambe mas não cura? Que sentido teriam os corpos gastos e cansados como carcaças de sonhos? Deram-me um dentro onde o fora nem sempre cabe. Mas deram-me o Amor que o faz ser sempre maior, sempre do tamanho da crueza e da beleza de tudo o que há.
O Amor deu-me as horas das noites em que não dormi por ti; deu-me as feridas de te tentar alisar o caminho; deu-me a gargalhada funda e que acende a escuridão; deu-me as lágrimas da saudade; deu-me o teu nome que desejo encontrar na presença que adivinho na esquina de cada rua; deu-me a força para rasgar com o ar o silêncio só para que existas mais. O Amor deu-me o perdão em que todos os apesares se tornam porques; O Amor deu-me o desejo de estar contigo quando te falhas a ti mesmo, irmão.
O Amor deu-me a felicidade de andar à chuva como a felicidade que não se contém mais, que transborda e fecunda os nossos peitos. O Amor deu-me o começar de novo e a medida de todos os abraços.
O Amor deu-me medo de não ter, de perder. Mas deu-me também a capacidade de reconhecer sempre os que amei, apesar do que o Mundo lhes possa ter feito. O Amor deu-me sempre um tudo que pode ser sempre mais; fez do Mundo um lugar muito maior, sem tempo, sem lugares. O Amor provocou o arrepio que antes só pertencia ao frio, provocou as lágrimas que antes só pertenciam ao céu, provocou o calor que antes só pertencia ao fogo.
O Amor deu-me a diferença e fez-me uno na diversidade; deu-me o erro e a dor de que não o apaguem; o Amor deu-me as flores mais frescas e o mais intenso e fértil dos verdes; o Amor deu-me o eclipse de mim próprio para que sejamos unos no que fica.
O Amor fez-me chegar e partir. E ficar. Ficar na alma que os objectos e as memórias ganham porque têm quem se ama preso nelas.
O Amor fez feliz o cair das folhas do Outono e roubou aos sonhos a magia para a fazer real. O Amor deu um outro lado à dor. Misturou-se nela para ser esta existência agridoce.
O Amor deu-me a imortalidade para lá dos corpos e das presenças. O Amor deu-me o amanhã de véspera, nesse súbito desejo de acordar para a Vida. O Amor deu-me a raiva e a fúria e o desalento. O Amor fez delas cimento da esperança. O Amor foi o recomeçar e o renascer de coisas que, sem ele, estariam mortas.
O Amor foi o improvável, foi a derrota de nós próprios e da nossa vontade. Foi o sermos outros tantos como nós e as suas vidas como as nossas. Foi a solidão porque perdemos e se perderam de nós.
Foi o passarmos por cima de tanta coisa só porque sentimos a falta dessa memória que o Amor conservou à prova dos desaires e do que a sombra faz à luz.
O Amor é o pó e o amargo, o ódio e a tontura e vertigem da solidão. O Amor é o reencontro e o desespero. É a semente que germina contra a nossa própria vontade; é uma aparição de nós a nós mesmos com a força férrea de um dogma e da mais selvagem das torrentes que arrasa os orgulhos cegos e derruba a paz podre do esquecimento.
O Amor é a luta que acontece contra nós mesmos. A dor que nos fez mais humildes, mais dos outros. Mais.
O Amor que é essa promessa realizada antes mesmo de o ser. O Amor que é esse recordar sozinho o que não é só nosso.
O Amor que é defesa dos outros mesmo que ataque a nós mesmos; que é o ir e dar sem perguntar até onde e quando. O Amor que faz da morte a mais eterna das vidas; que é a invasão não consentida que acabamos por agradecer. Que é as feridas que nos alegram e as quedas que não esquecemos.
O Amor que aperta abraços frouxos e encaixa corpos e almas. Que faz com que se abram mares no deserto e estrelas no bréu solitário do desespero.
Que nos faz não saber ser sem outros e torna tudo menos cómodo, menos previsível, menos absoluto mas que faz com seja sempre nosso - pelo que damos e pelo que fica.
O Amor que é a maior das palavras e o mais universal dos denominadores e línguas.
Deram-me o Amor. E, com ele tudo que só sei depois dele. Tudo que são as coisas com uma vida e um existir com limites sempre novos, como se, afinal, eles nunca chegassem a existir.
Deram-me o Amor e, com ele, a Vida. Não sei quem mo deu. Mas muito obrigado por isso. Do fundo do meu coração. Sempre mais fundo e mais meu graças a ele.
1 comentário:
'Deram-me um dentro onde o fora nem sempre cabe' :)
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