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sábado, 27 de dezembro de 2014

vestidos de amor,

amor, foi só contigo que o silêncio foi todo pele.
 
a sério, acredita em mim.
 
lembro-me muitas vezes do meu corpo inteiro vestido de ti - a tua boca a abrir-me o sangue, os teus olhos guiando os meus para dentro do lugar onde a vida começa e as tuas mãos desenhando-me nas costas razões para ficar.
 
R.,
 
diz,
 
sinto-me toda vestida de amor, sabes?
 
penso nisso até hoje, amor.
 
amar é descobrir, de repente, que a pele do outro nos serve, que cabemos inteiros nos braços que nos escolhem, que encontramos finalmente no outro um céu até onde o chão deseja, de súbito, levantar-se.
 
lembro-me das minhas mãos a vestirem as tuas pernas - devagar, os dedos todos querendo servir de rastilho e a minha boca a apertar o silêncio junto ao teu pescoço doce e quente.
 
vesti o balanço do teu corpo e fui mar - ondulavam longe as horas da noite, o mundo era uma página em branco e eu quis escrever contigo, várias vezes, as estrofes longas do poema que transpirámos no escuro.
 
o silêncio todo feito de pele - uma frescura repentina de primavera que nos despe depressa, um súbito encontro de bocas afogadas no silêncio que grita dentro das duas e essa vontade de que haja uma cama perto do céu em qualquer lugar.
 
lembro-me de dançar contigo debaixo de um candeeiro numa rua de que não lembro o nome.
 
dessa noite, como das outras, lembro-me de que como o silêncio era a melodia perfeita para o encontro das nossas mãos, para a nudez dos nossos segredos.
 
às vezes, amor, julgo ter-te amado mais pelo que não te disse.
 
sei que te irias rir disto - os meus poemas deixados no assento do carro, escritos no espelho do quarto, dentro de um livro faziam-te sorrir. e tu gostavas deles, eu sei.
 
mas o amor não tem pontuação, precipita-se, tropeça e, às vezes, não rima.
 
sabes disso, não sabes?
 
no silêncio, enquanto os meus olhos vestiam o poente em brasa da tua pele, julguei-nos eternos.
 
em silêncio, fui sempre teu, em silêncio nunca me perdi.
 
deito-me contigo numa sala cheia das coisas que já não precisamos de dizer.
 
rimo-nos os dois, muito.

sabes, as maiores verdades quis escrever-tas com a pele.

em silêncio, estamos realmente nus e a nossa boca pode aprender como se diz o outro.

em silêncio, tive uma boca em cada bocado de mim e quis aprender a pronunciar-te sem pressa.

todo o amor é como um segredo que nos contam e se guarda - e quem o ouve, cala-se para sempre.

chega aqui, amor.

anda lá,

tenho um segredo para te contar.

[não demores.]

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

enchamos com o que fomos, amor, o que nos falta,

enchamos com o que fomos, amor, o que nos falta.
 
retomemos, se quiseres, as conversas noite dentro - a tua pele um firmamento arrepiado com o desejo sempre em quarto crescente.
 
prometo demorar os dedos nas frases sem sentido que a tua boca deixa na minha.
 
prometo, amor, que esquecerei os versos breves e que não haverá silêncio dentro dos braços quentes destas paredes.
 
anda lá, sei que guardaste alguns dos meus abraços, alguns dos beijos longos com que te acordava de manhã. talvez estejam metidos dentro de algum dos teus livros, dentro de uma das gavetas da mesa junto à janela.
 
diz-me que vais procurar, diz-me, ao menos, que te lembras onde guardaste os poemas, onde ficou a pele das mãos toda escrita com promessas de saliva e sonho e que te recordas, amor, da distância que enterrámos todas as vezes na cama desfeita de manhã.  
 
voltemos, amor, à minha barba grande demais e à tua gargalhada quando andava cheio de sono pela casa.
 
vá lá, não sejas assim. 
 
eu depois levo-te a ver o mar e prometo adormecer no teu colo enquanto passeias ternura na curva do meu pescoço.
 
voltemos, se quiseres, às feridas e à tristeza - desta vez, não saias tão depressa, fica. desta vez, eu arranjo maneira de dizer
 
desculpa.
 
(a tempo) 
 
a tempo de ser ainda tempo de te segurar as lágrimas e de sentir um sorriso na tua língua dentro da minha boca.
 
sabes, amor, a tua ausência é como uma rua nova aberta agora - uma clareira de solidão dentro do hábito feliz que era ir buscar pão quente, que era ir comprar-te flores ao mercado perto de casa só para te ver sorrir numa manhã de sábado preguiçosa e doce.
 
sabes, os meus sonhos já tinham encomendado mais uma série de dias bons - a sério, é lixado ter que agora devolver uma série de jantares, uma série de boas noites passadas juntos, umas quantas idas ao cinema e, de certeza, amor, que não arranjo quem goste tanto como tu do cheiro da minha pele, da cor dos meus olhos ou do calor das minhas pernas.
 
percebe, querida, que sou guloso - chamei o futuro com as letras do teu nome e imaginei que era nos teus braços que me iria esquecer de conjugar a dor da partida, da separação e da saudade.
 
agora estou tramado e tenho aqui uma série de sonhos à espera de serem vividos, uma série de coisas boas que queria que viesses ver.
 
hei de falar-te, se deixares, da vontade que o meu corpo tem de se esconder contigo dentro da cortina de um banho quente; hei de te mostrar como a minha barba está mais curta só para o caso de te apetecer encostar em mim o teu corpo cansado ao fim do dia.
 
preciso, amor, que venhas dar carne ao meu sonho, por favor. sabes, a minha memória não sabe mover os dedos como tu fazias e desconhece, coitada, a arte do improviso que é tão essencial ao amor.
 
por isso, te falo, por isso, te escrevo. 
 
desta vez, antes de saíres, vou dizer-te
 
desculpa
 
[e talvez nem acabe a palavra porque os meus lábios vão de certeza querer agarrar-se aos teus.]
 
procura bem, amor.
 
nas gavetas, nos livros, na tua pele, no fundo dos teus olhos.
 
espero por ti no jardim junto ao mercado.
 
mesmo que não seja sábado, eu levo flores.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

algumas coisas vão ser sempre assim,

sabes, R., algumas coisas vão ser sempre assim.
 
o teu postal no correio de manhã.
 
a tua caligrafia alinhada como uma paisagem onde mais do que palavras, eu pude ainda reconhecer tanta coisa.
 
falavas do mar, falavas-me de livros e de cinema, perguntavas como estava.
 
de ti, dizias só que tinhas saudades.
 
lembro-me da nossa pele e de haver restos de poente nos teus olhos.
 
lembro-me de te ter ensinado a gostar de escrever postais e de ser Verão e haver no mar um rumor de espera e de mistério.
 
lembro-me do teu sorriso, das nossas mãos dadas e de encontrar, de repente, o teu nome escrito no lado de dentro do peito. 
 
R., algumas coisas vão ser sempre assim - o ser Verão e apetecer-me um vestido curto e que sejam os teus olhos a tirar-mo devagar.
 
és tramada, menina - há coisas que não cabem num postal.
 
a saudade, às vezes, é quase um postal que nunca se enviou, são os silêncios em que as vírgulas se dobram a pedir futuro e isso, amor, pode ser perigoso.
 
o teu postal no meu correio, o teu nome na minha caixa de correio como se viesse apenas para olhar-me os olhos e deixar-me um arrepio fundo na pele do pescoço.
 
ler-te foi segurar, de novo, nas minhas mãos a tua boca.
 
ler-te, amor, foi imaginar que os meus olhos se abriam dentro dos teus sonhos outra vez.
 
o teu nome a chamar pelo meu - tenho saudades.
 
do teu nome vê-se o mar, as horas atrasam-se para que cheguemos sempre a tempo.
 
ri-me ao pensar que me acabavas de enviar um postal.
 
também eu me lembro de ter nos olhos umas mãos que te queriam sempre.
 
também eu trago na boca o teu sabor como um Outono em que não caem as folhas todas.
 
 
um postal como um lugar mal iluminado onde viesses apenas para me roubar um beijo.
 
sabes, amor, tenho pensado na resposta.

e talvez seja melhor voltares só para me ensinares como raio se responde a um postal de amor.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

hoje vou esperar por ti,

hoje vou esperar por ti, dizia o teu bilhete.
 
encontrei-o, por acaso, já sentado no comboio.
 
chovia muito, o dia ia triste e eu lembro-me de ter pensado como no amor sempre me despedi com a esperança de um regresso.
 
o papel trazia o perfume das tuas mãos, trazia também o teu sorriso e trazia, sobretudo, um abraço inesperado para o caminho.
 
vi-te dormir ainda durante um bocado antes de sair  - tive vontade de respirar a tua pele só mais uma vez, de te deixar no corpo uma promessa em suspenso como os restos da noite nos lençóis vincados.
 
sorri sozinho no escuro várias vezes - como se me contassem um segredo demasiado grande para me caber no peito.
 
às vezes, acho mesmo que a saudade é um vício do coração - uma espécie de ritual em que, mais do que a nós, nos sentimos sempre a cumprir o outro, a repetir o outro, a gastar o outro como se com a memória se pudesse roer a distância e a ausência.
 
fazes-me falta.
 
quase senti que chegaste só para deixares os teus dedos pousados nos meus dentro do bolso das calças. quase senti que os teus dedos me pediam uma resposta,
 
não te preocupes amor, eu volto.
 
prometo.
 
na saudade todas as distâncias são como um vidro embaciado - por amor, deixamos de conseguir ver o quão longe estamos a ficar de onde nunca quisemos partir.
 
o pica apareceu cansado, o sono a amolecer-lhe a voz,
 
o bilhete, por favor, o bilhete.    
 
lembro-me de que cheguei já muito tarde - tu dormias de novo.
 
a lareira estava acesa, o teu livro no chão e a mesa que ficou posta para dois.
 
lembro-me de me despir devagar e imaginar que também esse teu sonho, como um abraço, tinha que ser como a mesa - sempre posto para dois.
 
antes de adormecer, deixei-te este poema no espelho do quarto.
  
quando houver uma clareira no teu sonho, amor

e quando formos todos feitos da noite

talvez possas lembrar-te, se tentares

como na escuridão as roupas nos caíram


e, se acaso, o teu sonho durar mais um pouco, amor

e tu não tiveres pressa de acordar

espera por mim, espera pelos meus lábios

espera, não fujas, por favor


faltou somente dizer-te isto, amor 

sabes, há poemas feitos de silêncio

há poemas em que apenas a língua se cala

e a saliva e o sonho falam mais alto


lembras-te?

se acordasses primeiro, ias encontrar os meus dedos pousados no teu nome como sempre.

antes de adormecer, lembrei-me do pica,

o bilhete, por favor, o bilhete.

imaginei, por engano, que lhe dava o teu.

hoje vou esperar por ti, dizia.

pensei que o pica se riria muito, a voz, de repente, mais alegre a dizer

este é um bilhete de ida e volta, senhor.

pois é, amigo, pois ésabe, quando se ama e se parte, há sempre a esperança de um regresso.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

de noite, abre-me os olhos,

hoje teria sido um bom dia para vires cá, sabes?
 
tenho a saudade a arrefecer-me as mãos e ainda por cima chove muito.
 
a sério, amor.
 
há folhas por todo o lado na rua e eu só gostava de chegar contigo a casa.
 
lembras-te?
 
completamente encharcados os dois, as tuas mãos geladas e o vestido como um abraço apertado na doçura arrepiada da tua pele.
 
és maluco, gritavas tu, rindo-te mais cada vez que a chuva afundava o silêncio da noite sobre nós.
 
qual é o mal?, dizia-te eu, o meu corpo a acordar no teu a vontade de sermos eternos.
 
as minhas mãos dentro do teu vestido, os teus dedos escrevendo nas minhas costas algumas das coisas que me dizias ao ouvido.
 
os meus olhos dentro do escuro aceso dos teus - as nossas bocas acordando o fundo adormecido do sangue, as tuas pernas deixando na minha barba restos de amor e de magia.
 
dentro da cortina da chuva, ficámos sós.
 
a noite era o avesso de uma cama - mesmo assim, fomos o lume e o calor um do outro. e isso chegou. fomos uma cama do avesso. e isso chegou.
 
nessa noite, não sonhámos. 
 
não foi preciso, lembras-te?
 
por isso te digo, amor, que era um bom dia para vires cá.
 
chove muito, podias ir à varanda fumar um cigarro depois do vinho. e da música.
 
e depois,
 
és maluco, o teu sorriso tão cheio de coisas que só a minha língua dentro da tua boca podia perceber. os teus olhos com vontade de serem arrastados para dentro da onda enorme do desejo.
 
qual é o mal?, amor, qual é o mal? - a minha camisa rasgada, dentro de nós a ser hora de a maré ficar cheia.
 
chove muito, hoje. e a saudade gela-me as mãos, amor.
 
não demores.
 
hoje não quero ter que sonhar.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

amei-te primeiro,

eu amei-te primeiro.
 
lembras-te disto escrito no espelho do quarto?
 
tu dormias e eu quis que os teus olhos me encontrassem, mesmo depois de sair.
 
e é verdade, fui eu quem primeiro te amou.
 
foi contigo que tive vontade de ficar e foi contigo que me comecei a atrasar para tudo o que fosse a tua ausência.  
 
sabes, quem ama começa por andar sozinho por uns tempos - traz quem ama debaixo de cada palavra e dentro de todos os abraços.
 
quem ama procura no silêncio quem nos chame.
 
e tu chamaste-me.
 
o amor veio depois disso - a minha cama passou a ser nossa, os meus discos passaram a andar contigo para todo o lado.
 
amor, assim imagino que estás sempre comigo,
 
e, sim, dentro desses discos estão as minhas mãos descobrindo no teu corpo que o amor é todo sangue.
 
estão todas as vezes em que dançámos - para mim, amor, dançar é mais puxar o teu corpo para perto do meu do que outra coisa qualquer. 
 
o amor veio quando me apareceste de madrugada à porta de casa. chovia e tu querias só dizer-me que te magoei, que fui injusto.
 
tinhas razão.
 
o amor também é isto - amamos sempre mais quem nos abraça depois de um erro, amamos quem se sente à vontade dentro da nossa escuridão e nos vai sempre lá buscar.
 
eu amei-te primeiro.
 
ria-me contigo e dizia-te,
 
como em tudo, até no amor chegas atrasada.
 
mas não, chegaste a tempo.
 
é como com os discos - às vezes, temos só de os deixar tocar e tocar. de repente, descobrimos que as nossas línguas se prendem nas mesmas palavras, que os nossos braços querem atravessar juntos o resto da noite.
 
eu amei-te primeiro e quis deixar-te sempre isso escrito no corpo todo - nunca tive pressa, sabes?
 
lembra-te disso, por favor.
 
há discos meus no teu carro.
 
deixa que toquem e lembra-te.
 
amar é andar à vontade dentro da escuridão do outro e ir sempre lá busca-lo.
 
anda rápido.
 
tenho saudades. 

sábado, 15 de novembro de 2014

sou eu?,

sou eu?,

ainda hoje me rio ao lembrar-me de ti - sentada nua na cadeira em frente ao computador, uma camisa das que me deste e os meus óculos na ponta desse nariz atrevido.

um dos meus poemas nas tuas mãos,

esta aqui sou eu?

não me apeteceu responder-te logo.

tínhamos deixado na cama uma estrofe inteira por acabar,

deixa isso, vá lá,

quero saber, diz lá,

eu sorria ao ver os teus dedos pousados no papel; pousados nos beijos que me deste, os teus dedos todos dentro da minha boca,

e tu lias mais, a tua pele a arrepiar-se toda e os teus olhos a avançarem para mim como se, de repente, fosse tarde,

anda cá, amor, mostra-me lá como foi isto, outra vez,

e eu não podia deixar de rir,

todo o poema de amor se repete,

e, de novo, a métrica irrequieta do meu corpo dentro do teu,

uma, outra e mais uma vez,

[só nunca me digas que é a última]

os poemas inacabados em cima da secretária, algumas folhas espalhadas pelo chão.

e os meus lábios a declamarem-te o poema da carne junto ao ouvido.

amo-te, dizias.

e eu acreditava nesse teu silêncio que me engolia todo. 

e dizia,

eu também. muito.

sabes, os poemas de amor escrevem-se sempre a duas mãos.

nascem sempre dos teus dedos na minha pele, dos teus olhos agarrados ao sonho dos meus, dos nossos corpos com medo de que as sombras que trazem não sejam as do outro.

todas as estrofes podiam começar com os teus olhos a abrirem-me a camisa,

depois, as tuas mãos cheias de pressa a rimarem com as minhas pernas que tremem,

e de, novo, os olhos como facas e a vontade de cavalgarmos o mundo a noite toda.

que belo poema se fez nesta cama, digo-te eu, a sorrir.

mas sou eu ali no papel, amor?

aquela sou eu?

amor, não há engano.

não vês que aquele sou eu?

e só podes ser tu ali comigo.


então porquê?

amor, o coração que bate nas tuas mãos é o mesmo do papel.

não vês?

juro que ainda agora o ouvi dizer o teu nome.



sexta-feira, 14 de novembro de 2014

se eu soubesse,

se eu ao menos soubesse que a felicidade era aquilo.

sim, sentir o peso do teu silêncio todo dentro da minha boca e ir desapertando, um a um, todos os sentidos na tua pele.
 
ser feliz e não saber.
 
acordar no sonho que há dentro do teu peito, morar inteiro nas esquinas alegres do teu sorriso.
 
ser feliz e não o saber.
 
todo o amor é uma frase sem sentido - como uns olhos que guardem sempre o mesmo olhar, umas mãos que prolonguem sempre o solstício das nossas peles dentro da cama ou uma estrada desconhecida onde se descubra, sempre, uma forma de voltar a casa.
 
o meu desejo tropeçava sempre nos degraus dos teus ossos até à boca, lembras-te?
 
e eu passeava-me entre os teus dedos, os meus dedos passeando-te no ventre um mar de ondas como se, por perto, tivesse algures que existir uma praia.
 
ser feliz e não saber, amor.
 
tenho saudades de todos os sinais que me diziam que eras minha - o teu casaco pendurado na cadeira da sala, o teu perfume na minha toalha de banho, bocados dos teus olhos desenhados na pele aberta das minhas costas.
 
deixámos um filme por acabar, sabias?
 
começaste a beijar-me o pescoço como se quisesses matar-me na garganta uma sede que me inundava todo.
 
amor,
 
diz?
 
e a minha resposta era sempre um silêncio em que o peito se lançava num abismo, era uma mão estendida dentro do calor doce das tuas pernas.
 
ser feliz e não o saber.
 
no amor todos os relógios se atrasam - os amantes chegam sempre antes da hora e, se amam, esquecem-se de partir.
 
as gavetas são um poema cheio de palavras por dizer, tenho a vida suspensa na página do livro que íamos ler juntos à noite.
 
anda cá,
 
assim?
 
sim,
 
ser feliz e não o saber.
 
poder dizer, amor, enquanto andas nua pelo quarto.
 
poder espreitar pela porta dos teus olhos enquanto sonhas.
 
poder perdoar-te tudo pelo amor que te tenho e pela falta que me fazes.
 
poder fazer amor contigo e emendar os erros todos com saliva e suor. 
 

se eu soubesse ao menos que a felicidade era tudo aquilo, amor
 
tinha corrido atrás de ti pelas escadas.
 
a sério.
 
sabes, tropeço sempre na falta doida que me fazes.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

demoras?,

amor,
 
o tempo passou ser o número de passos que a vida me demora até à tua boca.
 
demoras?
 
eu estou aqui.
 
sim, aqui, nesta cama onde me deixaste habitar-te os olhos e eu descobri que um corpo apaixonado não pode nunca ser um corpo arrependido.
 
já fechei as janelas todas, é capaz de chover.
 
e já cobri a cabeça mil vezes com este lençol de espera que tem o teu cheiro. sabes, há aqui restos de palavras, frases cortadas a saliva, pequenos rumores de poesia que fazem a cama ranger devagar.
 
sabes, amor, o desejo aperta demais as roupas sobre o corpo.
 
estou aqui.
 
sim, aqui, nesta cama onde a minha pele ensaia os versos que vou escrever no vidro da janela do teu peito depois de, juntos, o embaciarmos cinco vezes.  
 
é estranho pensar que o passado tenha que ter vindo dar aqui - um homem nunca pode imaginar que conhecer uma mulher lhe ensinará a fechar janelas para entreter o desejo.
 
ou que será por amor que o mesmo homem começa a acreditar que o futuro é como um autocarro que, de repente, passa todos os dias na rua já ali em baixo.
 
o homem corre muito, ela sorri.
 
este já é meu, diz ele, pondo-lhe no beijo a promessa de um regresso.
 
demoras?
 
amor, vem cumprir comigo, aqui, no abraço aceso das minhas pernas, o que te disse o meu beijo.
 
não sei se pode haver poemas que falem da fome dos corpos, de roupa que se despedaça para não atrapalhar o sonho; não sei se há rima que se compare ao abraço feliz dos nossos lábios.
 
não sei, amor, não sei.
 
sei apenas, amor, que incendiámos o lirismo inteiro e que o fogo chega cada vez alto quando me dizes,
 
mais uma vez,
 
demoras?
 
vem deitar-te comigo nesta cama.
 
sim, nesta cama, amor.
 
há ainda aqui restos de nós que fazem ranger a cama devagar.
 
vem sacudir comigo as estrelas todas que há no céu.
 
depois da chuva, que se abram as janelas.
 
e que a vida comece, finalmente.
 
 

terça-feira, 11 de novembro de 2014

o amor, portanto,

chegaste mais tarde, vieste atrasada.
 
trazias um daqueles vestidos que te põem o corpo a dançar no fundo dos meus olhos.
 
lembro-me de te ter fixado as mãos - compridas, doces, quase tão grandes como a vontade que tive de chegar perto de ti - como se a espera, de repente, me cortasse na garganta a urgência de um encontro.
 
e para ti, admito, quis logo uns braços que te rasgassem a pele, imaginei que a minha boca se demorava a cobrir de arrepios o silêncio do teu corpo e sorri ao ver-te sonhar junto à janela.
 
todos os amores são como uma vertigem - a única coisa sem uma causa e a mais bela de todas só por causa disso.
 
ama-se somente porque o outro nos arranha a solidão, apenas porque nos inclinamos todos em direcção ao futuro, julgando que nos chamam.
 
e não sei, até hoje, se a tua boca me chamou.
 
mas fui.
 
a minha voz quis desfazer-se toda em beijos, os meus dedos eram cordas que tremiam ao toque do teu riso e havia entre nós um silêncio a sibilar.   
 
fui trocando de cadeira sem tu veres - o incerto é o princípio de quase toda a verdade e eu quis chegar perto e arrastar o corpo todo para dentro da luz desse galope.
 
foram os teus olhos os primeiros a dançar comigo naquela noite, dizias tu, rindo.
 
sabes, houve logo algo de incumprido nesse cruzamento de olhares, dizia-te eu.
 
e, sim, foi exactamente isso.
 
o amor nasce justamente da promessa que queremos cumprir sem que, alguma vez, tenhamos prometido coisa alguma.
 
acho que em todas as palavras te despi - havia pressa em saber o desenho exacto do teu corpo e eu queria dançar contigo, nus os dois, todos dentro dessa cegueira enorme que era luz.
 
coitados dos vizinhos, pensei eu.
 
a pressa de quem ama vem sempre da sensação de que, aos verdadeiros amores, sempre se chega com algum atraso.
 
talvez por isso tivesses que vir tarde. talvez por isso tivesses que chegar atrasada.
 
e talvez por isso, naquele dia, os teus dedos tenham convencido o fundo dos meus olhos.
 
e eles tenham dançado de mãos dadas toda a noite.
 

domingo, 9 de novembro de 2014

o caminho para casa,

talvez daqui já não me ouças, amor.
 
[mas não importa.]
 
esqueci-me do caminho para casa, sabes?
 
é uma burrice, eu sei.
 
sempre me disseste que não andasse distraído, que tomasse atenção.
 
mas, para mim, todas as ruas eram apenas pretextos para matar em ti a fome dos meus olhos.
 
o ar das recordações ainda é o da tua boca a dizer
 
é por aqui
 
e eu ia, convencido de que, fosse qual fosse o lugar, haveríamos, tu e eu, de lhe chamar casa.
 
sem ti, todas as ruas se confundem enormes no espaço da tua ausência.
 
sabes, faz-me falta mover-me dentro do teu corpo. agora, apenas a memória te move os braços, te acende os olhos e te morde a boca e eu lembro-me de que não era preciso dizeres
 
é por aqui 
 
ao teu corpo, a esse vi-o com as mãos. no teu corpo cumpri tantas promessas que não te fiz.
 
mas preciso de chegar a casa. preciso de acreditar que vamos lá chegar os dois e tu
 
tem calma
 
as minhas mãos a agarrarem-te debaixo do vestido como se fossem palavras de suor nos poros abertos do silêncio.
 
nós os dois demasiado cegos da luz um do outro, nós os dois a tropeçarmos nos cordões desapertados de um coração ansioso.
 
preciso que voltes, amor.
 
preciso de uma só pista que me salve.
 
talvez os meus lábios te saibam pedir desculpa ou inventar as palavras de que precisas para voltares a amar os meus braços, para voltares a querer desaparecer comigo no motim das nossas peles.
 
gostava que viesses de dentro do fumo frio deste Outono que chega. gostava que as tuas mãos pegassem nas minhas e me dissessem de novo
 
é por aqui
 
haveria de seguir contigo, desta vez atento e com os olhos cheios do medo de te perder
 
obrigado, amor. 
 
isto dito com o sangue inteiro do meu corpo, isto repetido mil vezes com as letras que a minha saliva te deixasse dentro.
 
apenas tu tens as chaves.
 
preciso que abras a porta.
 
chegando à tua boca, depois eu sei
 
é por ali.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

às vezes, gosto de falar de ti,

às vezes, gosto de falar de ti.
 
há pessoas que acendem cigarros para roubarem ao tempo a pressa de se ir embora, outras há que dizem
 
só mais um bocadinho e já vou
 
mais cinco minutos
 
eu, amor, ponho-me a falar de ti.
 
depois de um abraço, um café 
 
que saudades, pá, há quanto tempo, porra
 
conta-me coisas, que é feito da vida?
 
depois de se gastar a saudade toda em palavras, depois de a ternura ajudar a lamber todas as feridas, eu digo
 
ando tão feliz, pá.
 
e ponho-me a falar de como outro dia fomos passear os dois, de como estavas linda e de como a minha vaidade era discreta e não tinha mal nenhum.
 
ponho-me a dizer coisas sem sentido, quase à espera que se note, que quem me conhece saiba que há qualquer coisa, qualquer coisa como um vício.
 
mas dos bons.
 
ou que esse alguém simplesmente ache ridículo e não perceba como raio uma rua percorrida mil vezes pode, de repente, quase caber num postal daqueles que se enviam de longe a fazer inveja.
 
ponho-me a falar de ti e das coisas que fazemos os dois como se tivesse que justificar a clandestinidade que vivi contigo nos últimos tempos.
 
amar é trazer um segredo revelado nos olhos, sabes?
 
e falar das ruas desta cidade, falar dos últimos filmes que vi, falar de como ainda houve calor nestes primeiros dias de inverno é falar de ti.
 
há um restaurante novo, sabias?
 
é muito porreiro.
 
e, sem querer, lembro-me de como as tuas mãos passearam nas minhas pernas a noite toda.
 
os teus olhos cravados nos meus como duas estrelas cosidas na pele de um céu feliz.
 
que raio de tempo, este, pá.
 
chove e fica frio de repente.
 
e, sem querer, lembro-me de nós ensopados os dois até aos ossos - tu nesses calções tão óbvios como o desejo e, eu, sem saber como evitar cumprir a promessa repentina dos nossos sangues.
 
às vezes, gosto de falar de ti.
 
mais cinco minutos e já me calo.
 
só mais minutos e já vamos.
 
podia começar a fumar só para impedir que o tempo fuja tão depressa.
 
mas, não sei, prefiro falar de ti.
 
assim, talvez seja mais fácil acreditar que o tempo corre apenas porque tu já me esperas.
 
tenho mesmo de ir, pá
 
gostei de te ver
 
eu também
 
andas mesmo com boa cara
 
[amar, como te disse, é trazer nos olhos um segredo revelado.]
 
ela está à minha espera.
 
começou a chover, que merda.
 
mas, cá dentro, de repente, a chuva não era tão má assim.
 
podia ser que tivesses vestido aqueles calções.
 
e juro que andei mais depressa do que o tempo nessa hora.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

a saliva do amor,

amor, as nossas línguas, às vezes, coincidiam.
 
lembras-te?
 
fixavas-me os olhos e eu desatava com os dedos os restos de mundo que te pesavam na pele - o vestido, os sapatos, essa roupa interior que me lembro de te ter dado, esse excesso que a falta de nós era para ti.
 
o abraço começava no encontro apertado dos nossos lábios - sempre andámos nus dentro dos olhos um do outro, sempre houve umas mãos dadas naquilo que dizíamos e sempre quisemos escrever para o outro uma condenação a um amor que doesse como dói tudo o que é belo.
 
a tua língua abraçava-se na minha dentro do escuro.
 
as palavras depois disso eram todas feitas do improviso que merecia cada um dos nossos encontros - sempre tão cheios dessa fome espantada de sonho e de desejo.
 
foi contigo que pude pôr a rimar a sombra do meu peito com a luz de um sorriso bom.
 
[que bonito era o teu sorriso, meu amor]
 
a tua língua, dizia, abraçava-se na minha no escuro.
 
depois disso, os meus dedos inventavam uma nova forma de nos ensarilhar os corpos, as cordas das tuas mãos a apunhalarem-me o fundo das costas invasoras, o teu peito cheio do pó da vertigem e do suor.
 
foi contigo que aprendi a conjugar os verbos do silêncio - o silêncio move-se quando as sombras se enchem de promessas impossíveis, até as paredes parecem maiores quando os corpos, dentro um do outro, precisam de um céu mais alto e mais eterno.
 
foi contigo que aprendi a usar a espera como um rastilho - o sangue nunca pára, mas tu ensinaste-lhe o caminho, amor.
 
e eu fico a repetir-te o retrato vezes sem conta com os dedos esganados de saudade nos bolsos das calças. trago neles restos do luar frio da noite em que disseste
 
não queria que amar-te fosse tão fácil, sabes?
 
eu bem te disse, amor, que não andássemos tanto tempo nus dentro dos sonhos um do outro.
 
o amor acontece quando respiramos os dois dentro da mesma sombra.
 
o amor acontece quando respiramos
 
e essa sombra somos nós.
 
 
 
   

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

às vezes, esqueces-me,

às vezes, sei que quase me esqueces.
 
o meu nome é comprido, não sei como fazes.
 
mas esqueces.
 
o amor pode ser um lugar desarrumado, sabes?
 
talvez te falte espaço nas gavetas, deve ser isso.
 
ou talvez o vento tenha varrido todas as vezes que te fiz sorrir, se acaso a janela junto à cama ficou aberta.
 
[fecha a janela, peço-te]
 
preciso que lavres os enganos todos do meu peito, que arranjes uns olhos que me adivinhem sempre dentro do escuro e não se percam nunca de mim.
 
lembra-te, se puderes, de como fazíamos tremer soalhos, de como havia facas e fogo dentro dos ossos das minhas pernas atando nas tuas um segredo qualquer.
 
deita fora a lembrança das feridas, apaga todos os pontos finais de cada um dos livros que tenhas e põe-te a inventar um poema onde eu possa entrar.
 
a porta pode ficar encostada,
 
vá lá, 
 
trago na pele a textura da espera - prometo deixar secar a tinta inteira dos teus desejos, juro deixar até que me insultes com esse ar de quem quer um beijo sem ter que pedir.
 
sabes, amor, não devias queimar o arquivo.
 
senta-te e põe-te a lembrar.
 
os meus olhos todos cheios de ti, poemas que rasgam as margens do papel e versos que se atrasam para que o fim se esqueça sempre de nós.
 
lembra-te de como as estradas desapareciam sempre. sim, quem ama não tem sentido de orientação e, talvez por isso, não saiba como partir.
 
sabes, escrevi-te tantas coisas que não disse e disse-te tantas outras coisas que não escrevi.
 
procura nas sombras, na pele húmida dos azulejos onde respirámos juntos tantas vezes, na segunda gaveta da secretária, talvez. procura nas flores tristes da varanda, debaixo da tua almofada onde talvez ainda reste de mim um cheiro doce.
 
talvez o teu coração ensaie uma tentativa de saudade e eu regresse.
 
às vezes, tentas esquecer-me.
 
o meu nome é comprido. não sei como fazes.
 
e os meus braços são ainda maiores, os meus olhos acham-te sempre tão linda e o único talento dos meus dedos é desenhar-te nas linhas do corpo todas as razões para que fiques.
 
mesmo assim, és teimosa.
 
lembra-te de como aprendi a dançar por ti - dançar é ir atrás de ti e do teu cheiro enquanto a música toca e eu não sei que raio de letra tem.
 
os teus lábios, esses é que cantam.
 
esquece-te de mim, se quiseres.
 
mas não esqueças o amor que te deixei por dar no fundo da cama.
 
está frio, agora.
 
e eu sei como gostas que te aqueça devagar. 

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

into my arms,

não sei se foi o nick cave ou se foram os teus lábios.
 
sei, às tantas, que a saudade começou a doer como se esperar fosse conjugar as feridas todas da tua ausência.
 
esqueci-me de fazer a barba, os lençóis trazem solidão que é uma viagem demasiado perigosa para se fazer de noite e deixei de ligar o rádio de manhã todos os dias.
 
não sei, malandra, se foi o nick cave ou se foi isto tudo que deixaste para trás - às vezes, gasto os olhos no tecto alto do quarto, ponho-me a ver fotografias do tempo em que julgámos ser novos para toda a vida e sorrio.
 
sinto falta de te esperar aí em baixo encostado ao teu prédio. a tua rua é bonita, já reparaste?
 
os meus olhos espiando as sombras da tua janela - que vestido trarias, que perfume, que truque novo com a língua me mostrarias hoje?
 
acho que as árvores da tua rua ainda crescem graças aos bocados de sonho que lhes deixei e ainda tenho aqui o estupor do guarda-chuva que me deste.
 
és tolinho, estiveste este tempo todo à chuva?
 
sabes, há aqui um lugar para o carro. mesmo aqui, em frente à porta.
 
podias aparecer. passei a acreditar que sempre recuperamos o que nos pertence.
 
e tu dizias
 
és meu 
 
[como o guarda-chuva]
 
não sei se há poemas que falem de amor e guarda-chuvas. e eu nem gosto da porrinha dos guarda-chuvas.
 
mas, sabes, gosto das tuas mãos, gosto mesmo de te ver no fundo do mesmo espelho que eu. nus os dois e embaciados todos do desejo um pelo outro.  
 
e gosto da tua voz rouca a estender um cobertor por cima dos meus ossos frios da chuva e da espera.
 
olha malandra que às vezes me apetece ligar-te e dizer-te
 
deixei aí dois casacos, algumas t-shirts e os boxers que me roubavas para a preguiça dos domingos sem horas. deixei aí os filmes que legendaste com os beijos que a minha boca te deu.
 
que idioma era aquele? que idioma falam duas línguas abraçadas no silêncio?
 
quando se ama, as memórias são as coisas que se vão deixando para se saber encontrar, de novo, o caminho.
 
és minha
 
hoje liguei, sem querer, o rádio de manhã.
 
And I believe in Love
And I know that you do too
And I believe in some kind of path
That we can walk down, me and you
So keep your candles burning
And make her journey bright and pure
That she will keep returning
Always and evermore

Into my arms, O Lord
Into my arms, O Lord
Into my arms, O Lord
Into my arms
 
havemos, amor, de encontrar dentro das gavetas umas quantas razões que nos lembrem do que fomos.
 
vem. nem que seja por causa do desgraçado do guarda-chuva.
 
já sabes, espero por ti o tempo que for preciso.
 
 esperaste este tempo todo à chuva?
 
sim, amor, esperei.
 
e, afinal, talvez possa haver um poema sobre nós e um guarda-chuva.
 
e esse ser um poema de amor.