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segunda-feira, 29 de abril de 2013

as pedras|

As pedras da minha da rua
Querem beber a tua sombra
E esperam caladas na tarde que passa
Que passes tu com teus passos passeando
E que passo a passo vão passando as horas
Em que a passarada pensa que a Primavera chegou

RM

meus dedos|

Guia meus dedos dentro dos teus sonhos
E mostra-lhes que mundos vivem no sorriso
Com que todas as manhãs inauguras a vida
Guia meus dedos dentro do teu corpo
E estremece inteira como um fogo que agarre a noite
E levante alto um grito de eternidade sobre o escuro do mundo
Guia meus dedos dentro da tua boca
E mostra-lhes a poesia do recorte dos teus lábios
Com que mordes e invades a vida no caminho
Guia meus dedos dentro do teu contorno
E mostra-lhes que mar gigante chega no desejo
Quando meu corpo se afoga inteiro na espuma do teu ventre arrepiado

RM

demora os lábios|

Demora os lábios em cada sílaba do meu nome
E ama também com os dentes como se toda a saliva não bastasse
Para dizer amor
Demora os lábios em cada sílaba do meu nome
E finta a saudade com o sabor das memórias que te chegam
Enquanto meus passos vão todos no teu caminho
Demora os lábios em cada sílaba do meu nome
E que o que digas não seja apenas o meu nome
Mas antes a verdade inteira do amor
Em que todas as sílabas são tónicas e mesmo assim
Tudo é pouco e nada basta
Para dizer amor

RM 

depois do tempo|

Hei-de encontrar-te depois do tempo
Para semear nosso amor numa terra sem idade
E esperar flores que sempre caiam em teus cabelos
Quando sorrires

Hei-de encontrar-te depois do tempo
Para tocar teu corpo e desgastar o sonho em teus lábios
E esperar a luz que sempre caia em teus olhos
Quando sorrires

Hei-de encontrar-te depois do tempo
Nessa praia infinita em que os dias nascem da tua pele
E já não somos feitos deste mundo
Mas antes pó que o vento arrasta e leva devagar na noite quente

RM

hannah and her sisters|woody allen.


domingo, 28 de abril de 2013

comam a terra de um país livre|

Comam a terra de um país livre
Em que a palavra volta a morar nas ruas
E as cidades são, de novo, catedrais do sonho
Com gritos soltos no caminho

Comam a terra de um país livre
Em que o Homem volta a habitar os corpos
E os dias são, de novo, searas férteis
Com vozes vivas no caminho

Comam a terra de um país livre
Em que a noite já não traz sombras nas esquinas
E todas as alegrias são fundas e repentinas
Comam a terra de um país livre
E na verdade nua e incontida
É o mar que volta para beijar
A terra prometida
 
RM

não dispas|

Não dispas, ainda, do teu corpo
A luz que o embala enquanto dormes
E deixa que continue na tua pele
A cinza do incêndio que teus beijos atearam
Não dispas, ainda, do teu corpo
O rumor da lama acesa do desejo
E deixa que continuem na tua boca
Todas as palavras não ditas e inúteis
Em que o amor é sombra incompleta
Da luz inteira que mora nos teus olhos
RM

mar alto|

Põe teus sonhos em mar alto e continua
Vai roendo o medo enquanto na pele
O vento te diz que há o infinito
E o horizonte é ilusão de finitude
Que te não serve

RM

Le Temps de l'Amour|Françoise Hardy.


Alexander Rodchenko @ Gosizdat| "LIVROS!"


sábado, 27 de abril de 2013

the madness of king george|


paixão|margarida gil.


quando alcanço teus olhos|

Quando alcanço teus olhos sei que cheguei
E a terra abre-se em flores de infinita luz
E a água cai em gotas finas de cristal
Quando alcanço teus olhos sei que cheguei
E as ruas são agasalho de multidão
Com as folhas do Outono como beijos perdidos
Quando alcanço teus olhos sei que cheguei
E nas janelas há sorrisos de fim de tarde
E nas lareiras lume quente que estala
Quando alcanço teus olhos sei que cheguei
E há um sol perdido no labirinto do jardim
Num namoro secreto e clandestino
Quando alcanço teus olhos sei que cheguei

E não há na alma cinza da partida
E tudo se encaixa como as raízes na terra fresca da noite que cai

RM 

sexta-feira, 26 de abril de 2013

morreremos sem gastar a palavra amor|

Morreremos sem gastar a palavra amor
E ela continuará a ser a sombra dos nossos corpos depois deles
Morreremos sem gastar a palavra amor
E continuará a luz procurando o fundo dos teus olhos para ficar
Morreremos sem gastar a palavra amor
Mesmo que nossos corpos se gastem na erosão do desejo
E os beijos sejam ladrões selvagens e carniceiros
Morreremos sem gastar a palavra amor
E continuará nossa cama no silêncio dos dias sem nós
E haverá sempre mais uma manhã em que poderia entrar contigo
Esquecido das ruas e da gente que passa como num filme mudo
Morreremos sem gastar a palavra amor
Mesmo que devoremos a carne e matemos todas as dores
E atemos as almas com a espessura de todos os ossos
Morreremos sem gastar a palavra amor
E todas as Primaveras perderão as flores do teu sorriso
E o Inverno será de cimento escuro
Sem a chama do teu corpo correndo para me ver
Numa esquina qualquer
Morreremos sem gastar a palavra amor
Mas minha boca se eterna fosse
Voltaria para gastar teu nome e chamar-te
E infinitas vezes nomear-te 
Até que o amor fosse palavra gasta
E não pudesse viver depois de nós

RM  

hei-de encontrar-te|

Avô,

Hei-de encontrar-te num céu qualquer
E esse céu há-de ser do verde dos campos
Com dias longos e preguiçosos
Espigueiros solitários e fartos
E luz nos tanques como olhos felizes

Hei-de encontrar-te num céu qualquer
Em que a pedra dos muros seja um abraço
E a distância não more nos caminhos

Hei-de encontrar-te num céu qualquer
Porque a saudade é como pele que me sobra
E vida que não chega para esquecer

Hei-de encontrar-te num céu qualquer
E os altares serão o colo dos montes
Em que juntos fiquemos a ver

A luz que desmaia lá ao longe

RM

se vieres ver-me|

Se vieres ver-me traz no rosto o sorriso de areia fina
E traz no corpo essa graça subtil e serena dos pássaros chegando
Nos olhos traz, se puderes, um mar profundo e salgado
E na palavra traz cidades brancas de que o tempo se esqueceu

Se vieres ver-me traz contigo a vida suspensa na saudade
E quando tua boca faminta quiser meus lábios
Vem e rouba-mos enquanto o tempo não chega

E as cidades brancas serão o altar
Em que as flores persistem e não morrem
E o teu nome o chão em que a vida se prolonga 

Como num pomar

RM 

depois do perigo|

Depois do perigo há o amor
Vale fundo dos teus braços em que o silêncio dorme
E teu nome chega com a manhã

Depois do perigo há o amor
Maré furiosa dos teus beijos em que o sangue se evapora
E teu cheiro chega nas flores

Depois do perigo há o amor
Seara de fogo do teu peito em que o horizonte se agiganta
E tua boca chega com o vento

Depois do perigo há o amor
Praia roubada do teu corpo em que o nevoeiro sobe devagar
E teu sabor chega com a espuma

Depois do perigo há o amor
E tuas mãos são o vaso prometido  
Em que o orvalho da manhã irá dormir

Ventre infinito e doçura eterna
Caminho sereno em que chegas a sorrir

RM

quinta-feira, 25 de abril de 2013

into the storm|


drive|


florbela|


teu cheiro|

Teu cheiro é uma esquina inventada onde me perco
Um beco de ferro em flor e janelas sobre o rio
É um rumor de gente que chega para ficar
Como uma caligrafia espessa num papel de carta qualquer

Teu cheiro é uma prosa selvagem e irrequieta
Uma alameda florida e solitária
Em que meus braços são as árvores
De corpo erguido para te beijar

Teu cheiro é uma tempestade repentina
Um perpétuo desencontro descontente
Em que minha boca se acende de repente
Se és tu quem chega na matina

Teu cheiro é a água da fonte entardecendo
Um murmúrio de paz que se estende na cidade
É meu corpo sozinho se prendendo
E tudo lhe sabendo a liberdade

RM

cai nos meus braços|

Cai como a noite em meus braços
Deixa-te suspensa na face do mundo
Com teus lábios presos nesse instante
Em que doce e luminosa me sorris

Cai como a noite em meus braços
Deixa-te suspensa na face do mundo
Com teus olhos presos nesse instante
Em que o sonho é uma luz no ventre de todas as coisas

Cai como a noite em meus braços
Deixa-te suspensa na face do mundo
Com teus dedos presos nesse instante
Em que ensinas meu nome à tua pele

Cai como a noite em meus braços
Deixa-te suspensa na face do mundo
Com teu peito preso nesse instante
Em que tudo renasce da areia do tempo

Cai como a noite em meus braços
Deixa-te suspensa na face do mundo
Com teu ser todo preso nesse instante
Em que no colo da luz te nomeei

RM

abril.

"Amanhã virás sol amanhã virás"

Arnaldo d'Oliveira Mesquita in "Amanhã Virás, poemas", Aljube - Caxias 1959-1960, Porto, 1971.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

lanço-te meus braços|

Lanço-te meus braços como uma rede ao mar
E espero teu corpo na areia da madrugada
Lanço-te meus braços como uma rede ao mar
E espero que meus dedos te agarrem a pele molhada
Lanço-te meus braços como uma rede ao mar
E espero que meus beijos tragam do fundo do teu peito
Todos os sonhos como um búzio contando segredos felizes
Lanço-te meus braços como uma rede ao mar
E espero que o meu amor seja jornada cumprida
E que com meu corpo serenes, sorrindo,
A vontade de seguir com o vento
No avesso das horas e da vida

RM

fica|

Fuma mais um cigarro e fica
Os dedos longos e calmos
E o olhar preso numa rua que não existe
Fuma mais um cigarro e fica
O corpo quieto na luz da tarde
E a gente que passa sendo isso mesmo
Gente que passa e sonhos que não cabem
No infinito de todas as vidas somadas
Fuma mais um cigarro e fica
Pensando na pele tremendo de véspera
No desejo rasgando o corpo
E sorri para a montra
Como se meus olhos fossem todas as janelas
E meus braços o ferro das varandas onde se seguram flores
Fuma mais um cigarro e fica
Lembra-me pelo que te fica dentro
Nesse arrepio muito depois dos corpos
Em horas que os beijos são mais memória
E posso permanecer sempre teu
E enquanto fumas um cigarro
O vidro da montra já não existe
E a rua é um leito onde deitados
Voamos com a neblina para o céu

RM

teus dedos|

Chegaram teus dedos antes de ti
Com toque de fome e cheiro de saudade
Diziam dançando que era verdade
Enquanto minha boca sorri

Que era verdade que os beijos que trazias
Eram ondas de mar alto vivo e revoltoso
Eram carícias de lume que pedias
Num delírio intenso e amoroso

Curavas-me na pele a cicatriz da ausência
E teus dedos compridos repetiam
Firmes na carne e na cadência
Que era a mim que queriam

Dizem-me teus dedos que espere
Que não demora teu ventre como uma praia deserta
Mas nada mais há e tudo me fere
Na solidão da sombra da porta entreaberta

RM 

domingo, 21 de abril de 2013

o que há de novo no amor?|


beginners|


my little princess|


espero por mim|

Avô,

Espero por mim, ainda, no caminho
E ao longe há uma criança que corre
A luz é mansa, o verde luminoso e sereno  
Os muros de pedra como catedrais de musgo sem tecto
E os cães ladram fundo para o ar
Ainda espero por mim no caminho
E ao longe o tempo é uma brisa quente
Passeando leve entre os ramos da figueira
Espero por mim, ainda, no caminho
Vendo-te nesse passo lento e sem pressa
Que me ensinou o engano da eternidade
Em que os sonhos foram esperança ampliada
E feita carne
Espero por mim, ainda, no caminho
E ao longe as flores são eternas como fogo
E a criança continua correndo sem tristeza
Ainda espero por mim no caminho
Sem medo da noite porque te vejo
E no caminho o norte é um erro do destino
E toda a vida esperarei por mim
A criança que, por ti, ousou dias eternos
E horas de luz e acalmia.

RM

sábado, 20 de abril de 2013

versos de silêncio|

Ao meu Avô,


Versos de silêncio que te dizem
E são folhas que caem na rua depois de ti
Versos de silêncio que te dizem
E são a ausência feita saudade desde que partiste
Versos de silêncio que te dizem
E são a luz que desmaia no lugar do teu corpo que partiu
Versos de silêncio que te dizem
E são as marcas no soalho que persistem
Versos de silêncio que te dizem
E são as paredes onde teus dedos pousaram muito leves
Versos de silêncio que te dizem
E são a tua letra viva nas palavras das cartas que guardei
Versos de silêncio que te dizem
E são flores que ainda esperam teus olhos nos caminhos
Versos de silêncio que te dizem
E são janelas abertas onde ainda espero que chegues
Versos de silêncio que te dizem
E revelam essa ferida imperfeita e inacabada
Onde o silêncio agora fala
E o teu nome chega com a luz 

RM

une aventure|


la délicatesse|


sexta-feira, 19 de abril de 2013

por te rever|

Por te rever
Trazendo no olhar o sorriso da tarde
Regressam as horas longas, os oceanos infinitos
E a cal da areia onde te vejo chegando

Por te rever
Trazendo no olhar o sorriso da tarde
Regressam teus dedos como nós, os pássaros em bando soluçando
Enquanto estamos sós

Por te rever
Trazendo no olhar o sorriso da tarde
Regressam aos tanques as imagens acesas, o feno suave balouçando
Enquanto derrotamos incertezas

Por te rever
Trazendo no olhar o sorriso da tarde
Regressam nossos corpos ao espaço ausente, a luz boiando na cidade
Enquanto te sinto presente.

RM   

saudade tua|

São saudades tuas
Os passos perdidos que se ouvem nessas ruas
E as janelas são rostos abandonados
Se acaso no meio do jardim
Tu, sorrindo, não esperas por mim

São saudades tuas
Essa sombra sem corpo que paira sobre o dia
Nas ruas muros erguidos
Pedra surda aos meus pedidos
À fome com que te queria

São saudades tuas
Esses sorrisos morrendo no nevoeiro
Suspiros tremendo inacabados
Sonhos traídos e fatigados
Esperando por ti o dia inteiro
 
São saudades tuas
Os acordes voando como folhas
Silêncio de uma quase melodia
Secretamente querendo que me escolhas
Antes de morrer o dia.

RM

quinta-feira, 18 de abril de 2013

sucessão|

Na sucessão dos dias
Procuro teu rosto como num corredor de janelas
E desejo que espreites para iluminar
As flores que sorriem entre o ferro da varanda

Na sucessão das chuvas
Procuro teus beijos como um rumor de cidade que entardece
E desejo que chegues para cumprir
A promessa que o teu corpo deixou no colo dos meus dedos

Na sucessão das noites
Procuro tuas palavras como uma maré que mate a sede
E desejo que venhas para repousar
Teus olhos na imagem do meu corpo junto a ti.

RM


da morte|

A morte de alguém que se ama é como uma amputação. Uma dor que lateja muito depois de perdida essa parte do nosso corpo. Perde-se o membro, mas não se perde o hábito de o ter como numa repetição feliz. E o que é a morte se não uma felicidade interrompida em que se percebe que o Homem foi feito para a vida como as flores para as Primaveras florindo no mundo. A vida é um empurrão cego em direcção ao tempo, através dele como se tudo fosse eterno. E quando se finda, perdura sempre um rumor de passos como nas noites de festa em que o soalho treme e estala com os que vão ficando no abraço da noite e continua tremendo muito depois de tudo ter acabado como um carrossel girando vazio.
Tudo se suspende como numa espera: o lugar na mesa para ser ocupado, os casacos para serem postos para o frio da rua, a música para ser ouvida e as páginas dos livros para serem retomadas.
A morte de alguém é uma morada vazia como um ventre sem esperança - sentimos um eco que nunca desaparece e que buscamos numa estrada longa em que se anda sempre a direito. Caminhamos desejando voltar ao início para retomar o fio quebrado da vida e, por isso, a morte acorda no Homem a esperança da eternidade e do recomeço que é o verdadeiro antídoto da solidão e o princípio de todas as formas da fé. 

terça-feira, 16 de abril de 2013

Mãe|

Na campânula de vidro dos teus braços
As árvores flutuam sempre calmas no colo da tarde
E o mundo é suave como um fogo ardendo sempre
Na campânula de vidro dos teus braços
Os corpos são eternos e o presente é tão elástico
Como o amor que trazemos colado nas dobras dos ossos
E tudo se renova com o raiar da manhã na madeira do chão das salas grandes
Na campânula de vidro dos teus braços
As janelas abertas são corpos com sede de infinito
E o mar conta segredos de tempos inauditos
Na campânula de vidro dos teus braços
Os avós não morrem e fala-se deles como se fossem desabitar os retratos
Para continuar a valsa interrompida que é o amor
Na campânula de vidro dos teus braços
Sei sempre encontrar-te 
Imersa nas infinitas páginas dos livros que namoras
Na campânula de vidro dos teus braços
Vai-se ficando, vai-se prolongando os afectos para lá da validade das horas
Como num vício cego e feliz
Na campânula de vidro dos teus braços 
Sempre temos quem nos espere nas cadeiras do jardim
Para que escoltados pelas árvores altas e sérias
Se retome a palavra e se inscreva na pele
Um bem definitivo
Na campânula de vidro dos teus braços
Os cães correm sempre com uma felicidade pateta e barulhenta
E a vida lança-se inteira nos afectos demorados e obesos
Na campânula de vidro dos teus braços
O excesso é o antítodo contra a escassez de vida
Para guardar todas as Primaveras, para andar a pé em todas as praias
Enquanto a noite cai e o rumor do mundo serena

Hoje, a campânula de vidro dos teus braços é um tecto aberto no caminho
E sei que as coisas morrem e os corpos se partem com saudade das flores que já não chegam
Hoje, os avós morrem e o amor pode ser uma dança sem corpos em que saudade é uma melodia que não finda
Sei, Mãe, que o tempo corre e o aço da esperança, às vezes, se enferruja.
Mas, Mãe, chama-me sempre.
E se, às vezes, me encontrares de costas no caminho
Continua chamando como no jardim, quando demoro
E a tua voz será sempre a verdade mais perfeita com que a minha pele
Se cura e se ilumina.

RM 

escrever, escrever, viver|Solveig Nordlund.


segunda-feira, 15 de abril de 2013

no veludo do teu corpo|

No veludo do teu corpo
Passeio os dedos com a sede funda da volúpia
E demoro nas escarpas para guardar exacto
O desenho perfeito do teu ser

No veludo do teu corpo
Os sonhos são de carne e de ternura
E fica perdoado o tempo que evapora
A vida que quero eterna nos teus olhos

No veludo do teu corpo
Os dias são enganos doces e promessas fáceis
Um contentamento luminoso e sorridente
Como a luz derretendo o gelo nos caminhos

No veludo do teu corpo
Repousa quieto meu sonho enquanto dormes
E sempre que em teus olhos vejo os meus
Trazem os céus a altura mais perfeita
E as ruas são pomares de frutos infinitos

E tudo quanto espero do silêncio
É o rumor dos teus lábios a acordar


RM

Un Long Dimanche De Fiancailles.


domingo, 14 de abril de 2013

as árvores sem nome|

As árvores sem nome são braços na tarde em que demoras
São a sombra da rua vazia esperando teus passos
E do céu que suspenso empalidece os contornos nus da tua ausência

As árvores sem nome são o tempo gasto e desabitado
Essa morada aberta que aguarda teus olhos
Para que o fogo se erga e brilhe na noite funda

As árvores sem nome são a saudade multiplicada mil vezes
Mil vezes adormecida com sonhos de amanhã
Em que serena chegasses num silêncio de sorrisos

As árvores sem nome são uma aridez imensa
Asa quebrada e voo abandonado
Porque lhes falta o tecto que és tu

As ávores sem nome são o grito calado que estala nos ossos
A incompletude das coisas adiadas
Como navios de cinza pedindo mar

As árvores sem nome são gente de costas para o sonho
Luzes que afogam e não brilham
Seara queimada se não descansas teu corpo

As árvores sem nome são apenas isso e nada mais 
Se faltas às flores por florir
Se faltas aos meus braços estendidos
Negando a terra onde os sonhos se abrigam para crescer.

RM



sexta-feira, 12 de abril de 2013

esta noite não durmas|

Esta noite não durmas
E vem demorar nas palavras
Como se a noite fosse eterna
E eterno fosse o brilho da solidão do mundo
No teu olhar

Esta noite não durmas
E vem suspender a vida 
Como se a noite fosse eterna
E eterno fosse o sabor dos teus beijos
Na minha pele

Esta noite não durmas
E vem recusar a dor
Como se a noite fosse eterna
E eterna fosse a paz quando adormeces quieta
No meu colo

Esta noite não durmas
Porque a cada passo da noite que avança
Seremos eternos no mundo
Náufragos de um beijo que nos ata
E onde tudo se adoça e se amplia.

RM

quinta-feira, 11 de abril de 2013

de ti|

Falo de ti quando me lembram teus olhos
E tudo quanto ouço são teus braços chegando devagar
No silêncio quieto uma tarde desmaiando
E teus olhos um céu onde se apague o dia
O meu corpo esquecido nas torrentes
De amor, de paz e poesia

RM

Avô|

Irei semear a saudade perto das pedras dos tanques espelhados
E esperarei no espelho que, do céu, teus olhos me cheguem como pássaros
Irei contar às vides sozinhas ao longe, as memórias do tempo de outras gentes
E florirão no chão as pegadas que juntos pusemos nessas tardes 
No caminho de novo tenro, as saudades serão flores
E nessa planície verdejante e nua
Guardarei no bolso, contente, mais essa lembrança tua.

RM

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Mãe|

Que nenhuma noite desperte de véspera
Enquanto te consolam as memórias como beijos
Que nenhum dia te seja curto na pele
Enquanto o mar for fundo e luminoso
Que nenhum ruído grite mais alto que o silêncio
Que canta quando estamos juntos
Que nenhuma pétala de luz
Deixe de iluminar teu rosto quando sorris
E que sempre haja uma praia
E tudo se expanda boiando na espuma da saudade
Tudo se agigante, se serene e amplie
E teu rosto surja sempre renovado
Inteiro, belo e de luz emoldurado.
Que o sol encha de amanhã o horizonte
E juntos, na areia, conversando
Na nudez das palavras revelados
Entremos na noite caminhando.
Fica, Mãe, enquanto a alma se atrasa neste amor
E tudo quanto é demora é recompensa.

RM

terça-feira, 9 de abril de 2013

o teu corpo|

O teu corpo
É o tempo de todos os silêncios
De todos os esquissos imperfeitos do amor
O teu corpo
É a justa medida de todos sonhos
Desse conforto na alma de ir medindo a vida
Com o calor das pontas dos dedos
E o brilho do olhar
O teu corpo
É essa rima imperfeita
Do bater de dois corações
Que esperam rindo para a noite que chega
Que a manhã traga mais beijos
Para se darem numa boca húmida
Enquanto na rua as pessoas passam
Os carros rosnam furiosos
O céu se indispõe
E nada disso importa
Se não o silêncio do teu corpo

No princípio de todas as horas.

RM 

cumpre.te|

Cumpre-te
E faz da espuma dos dias um mar de esperança

Cumpre-te 
Lentamente enamorando-te do Sol que adormece

Cumpre-te
Sem esquecer o perfume do pescoço onde o amor atou teus dedos

Cumpre-te
Enquanto os rios correm postos a sorrir pelo vento que os beija

Cumpre-te
Enquanto os versos rimam e a música flutua nas noites de janela aberta

Cumpre-te
Enquanto o frio da montanha empresta à noite uma nostalgia funda

Cumpre-te
Enquanto os campos balouçam e as águas jorram dos tanques de pedra

Cumpre-te
E faz do corredor dos dias
Um castelo que se ergue no alto, lento e sólido
E em cujas muralhas poderás ver saciada
A tua sede de um infinito mais fundo
A tua fome de um céu mais alto.

RM

domingo, 7 de abril de 2013

não venhas tarde|

Não venhas tarde
Porque estás anunciada na tarde que desliza no céu através dos vidros

Não venhas tarde
Porque está escrito teu nome nas árvores que tremem no vento que passa

Não venhas tarde
Porque te chamam meus lábios com este princípio de chama

Não venhas tarde
Porque sobe o teu nome no nevoeiro de cinza que se adensa

Não venhas tarde
Porque ouço teus passos na escada deserta

Não venhas tarde
Porque o jardim floriu para te ver passar

Não venhas tarde
Não quero percorrer sozinho esta alameda

Onde a saudade é sombra no caminho
Quando não vens.

RM

os teus braços|

Estende os teus braços sobre a noite
Deixa que te beije o ar quente do Estio
Que se enamore das linhas do teu ventre, a cidade quieta

Estende os teus braços sobre a noite
Deixa que sobre eles caiam beijos
Como folhas trazidas num murmúrio do tempo

Estende os teus braços sobre a noite
Deixa que sobre eles caiam promessas
Como sonhos perdidos nas linhas da tua mão

Estende os teus braços sobre a noite
Deixa que sobre eles caiam os meus
E juntos atemos sobre a pele
O mapa do sonho e da harmonia.

RM

Na varanda, as flores|

Nas varandas de ferro as flores
E no céu um guache entardecendo brilhante
A cidade nua em silêncio
As ruas abertas como braços em brasa
E na tua boca respirando
Todos os sonhos.

RM

sábado, 6 de abril de 2013

nos dias tristes|

Nos dias tristes não escrevas.
Deixa as palavras no bolso enquanto choras.
Se escreves enquanto te dói o corpo como fogo
As palavras ardem e no chão a cinza é morte.

Nos dias tristes não escrevas.
Deixa a dor no estendal da varanda.
O vento chega e dá-lhe uma coça
E o teu corpo serena adormecido.

Nos dias tristes não escrevas.
Deixa a sombra na terra do caminho
A gente passa e pisa-a com os pés
E a tua boca se apaga adormecida.

Nos dias tristes não escrevas.
Deita ao vento os gritos do teu peito
Que a terra gira e leva-os para longe
E a tua voz descansa adormecida.

Nos dias tristes não escrevas.
E se acaso com tristeza escreves
O frio dos montes será fundo demais
E aos mares faltará o verde que o sonho inventa.

Nos dias tristes não escrevas.
E se acaso com tristeza escreves
As paredes serão da pedra que não quebra
E às flores faltará o sol que a esperança inventa.

Nos dias tristes não escrevas.
Abre a janela e muda de pele.
Espera pela juventude que nasce do chão das lágrimas e recomeça.

E principia a frase escrita com o sonho.
E os dias tristes não virão mais.

RM

porque escrevo.

Escrevo para que as esquinas tragam sempre fumo no ar baço do Outono e as Primaveras se sucedam num céu que escorrega na luz. Escrevo para que os barcos saibam a sal e esse sal sejam as lágrimas de quem parte para chegar.
Escrevo para que os dias tristes sejam o pretexto de um abraço apertado, de casas com cheiro de gente como a anunciar que alguém está para chegar. Escrevo para que tu, mãe, vistas o cheiro teu que vive nas dobras das ausências maiores do que eu quando não estás, não ris e ficas comigo. Escrevo, avô, para que vivas sempre nas pedras de musgo do muro da igreja onde rezo para que estejas bem. Escrevo para que todos os dias sejam bonitos, porque nos dias bonitos ninguém pode morrer.
Escrevo para fintar a morte com as vírgulas e a respiração do coração, para entreter o medo com essa ladaínha humana dos amores que querem arder sempre.
Escrevo para que os cafés tenham espelhos e possa sempre ver teus olhos quando me olham. Escrevo para que as despedidas sejam sempre um adiamento, uma ousadia da existência sobre o abismo e a escarpa escura da saudade.
Escrevo para que os teus braços, A., sejam sempre a morada perdida da infância, o eco desse rio de tempo que nos fez margens do mesmo corpo, dois lados para o mesmo caminho.
Escrevo, Gó, para que no fundo dos teus olhos viva sempre essa bondade de açúcar e o teu sorriso chegue por entre o rumor dos passeios e da multidão.
Escrevo para que tu, pai, te salves sempre dessa guerra que não quiseste e repetidas vezes voltes para a mãe que te quis por perto e para nós que te esperávamos do lado de lá do tempo.
Escrevo para inaugurar o espaço vazio da solidão com esses bordados que nos atam na pele uns dos outros. Escrevo para que as mesas vestidas de linho e cristal não se levantem nunca - que do vento cheguem sempre as palavras mais belas, as gargalhadas mais sinceras e tudo perdure como um lustre suspenso na noite escura da vida.
Escrevo para que os retratos nos tragam sempre juntos, para que durmamos juntos nos braços das molduras de prata da salinha de visitas e os pianos toquem músicas suaves como um fim de tarde de Verão.
Escrevo para que tu, mãe, voltes a ter a tua mãe nessa infância maravilhosa e quente como um gato preguiçoso num muro qualquer.
Escrevo para que esta obrigação de viver, este exílio forçado na vida que trazemos por detonar no sangue seja a perdição de quem nos criou, para que, mesmo sem nada sabermos do amor sejamos levados por ele a voos que o desenho do mundo queria apenas para a aves. Para que do egoísmo do mundo nada reste e a ordem das coisas seja tão arbitrária como o sonho.
Escrevo nem que seja para que do silêncio me chegue o eco do que digo e já não fiquemos sozinhos.
Escrevo para antecipar as flores do amanhã e fazê-las nascer no chão incompleto do hoje. Escrevo para morrer, amar de véspera, ter no peito como epitáfio a saudade do futuro que quero ver.
Escrevo para dizer que o homem morre sempre de véspera - que ao amor, que a um amor como o que podemos sentir por aqui, o amanhã é sempre a justa medida da beleza.
Escrevo para que os castanheiros da minha infância sejam perenes como as memórias que guardo deles nas tardes longas, quase sem fim, como se tudo se pudesse prolongar mais um pouco enquanto o tempo se distrai e adormece na palha quente.
Escrevo para que todos os jardins sejam floridos e te encontre sempre neles, minha avó, com teus olhos de um azul ardendo e teu sorriso de menina marota. Para que Deus me chegue pelo amor que me deram e acredite nele porque um amor desses me parece um pecado bom. 
Escrevo para vos chamar, pelo gosto de passar a língua na luz dos vossos nomes e ficar agarrado a eles como a um colo que dure sempre. Escrevo porque durmo no mesmo lençol de luz dos que vieram antes de mim e desejo ser possível que todos nos encontremos numa ceia, sob as estrelas num terraço grande de um lugar perdido.
Escrevo para que a chuva escorra sempre na pele sêca da terra e tudo baptize e redima, para que as lareiras se acendam e tu, avô, possas ter de novo a tua mãe que vos lia poesia no abraço quente do lume.
Escrevo para que o tempo não seja um corredor estreito demais para guardar uma história tão longa e bonita como a nossa. Escrevo para me lembrar do som das vossas vozes e agarrar-me a elas enquanto sigo no caminho.
Escrevo para que o calor das sílabas me reconforte e dias nasçam mais longos enquanto as palavras se casam, se unem num verso. Escrevo para inventar mais tempo, um tempo mais manso, molengão, obeso que não ande tão depressa.
Escrevo para ao morrer, ir vivendo mais. Para que entre as duas pontas do caminho, a poeira do ar seja de ouro e os corações mais felizes ao morrer.       

sexta-feira, 5 de abril de 2013

cativa|

Tens no olhar uma clareira de luz intensa
Um lençol de alegrias e dores secretas
Uma maré funda e imensa
E enigmas de profetas

Tens na boca uma pira de loucura  
Uma saudade que calas e que temes
E se sozinha na noite tremes
Sou eu quem te procura

Tens na pele a areia da saliva
Poeira de entregas sinceras
Memórias ferozes como feras
E que te trazem cativa

Tens na palavra a faísca da liberdade
Searas de céu e de acalmia
Sol em brasa que se esvazia
Morrendo sobre a cidade

Tens no cabelo um galope marcado
Uma insolência sem medida
E hei de encontrar-te perdida
Na encruzilhada do teu fado

Tens nas mãos o nó do amor
As veias como cordas de uma guitarra
Luz desmaiando sobre o terror
Enquanto meu corpo te agarra

RM

enamoramento|

Estende-me inteira a tua mão
Dá-me o beijo dos teus dedos
E deixa que os passos da multidão
Esmaguem em pó os meus medos

Não trago na algibeira a ilusão
Trago na boca o sangue quente
Para que juntos ao poente
Renunciemos à razão

Levo-te para a noite comigo
Baptizo-te com fogo na madrugada
E com o silêncio te digo
Essa verdade adivinhada

Dou-te um amor denunciado 
Feito de pedra e poesia 
Tal qual as palavras que enamorado
Sorrindo contente te dizia

RM