Rewind

sábado, 16 de maio de 2015

verão,

às vezes, amor, há demasiado verão quando estamos juntos.
 
escuta, não te rias, que é verdade.
 
amar-te foi tirar aos olhos todos os limites, aprender em que verbos a minha língua me sabia mais a ti e, de repente, não ter onde ficar.
 
amar-te foi como sair de casa - assim, cheio de pressa, assim cheio de promessas como vésperas de dias que sabemos vão ser bons.
 
achei, amor, que os teus olhos seriam uma boa morada.
 
o meu nome num envelope e, como uma janela aberta onde a saudade não doa, os teus olhos - essa morada onde os espelhos me mostravam melhor.
 
depois, as tuas mãos sempre todas cheias de mim - da minha boca, dos bocados da minha pele em que ainda havia noite e os instantes eram perpétuos como sonhos.
 
ainda, o haver raios de sol nas palavras que antes eram apenas corpo, mãos e boca e olhos.
 
depois, haver um incêndio em todos os verbos que antes eram somente sílabas cosidas à espera de ti.
 
tens medo, dizes tu, que a tua pele não me chegue - sabes, amor, ponho sempre uma vírgula nas bordas do teu corpo e os versos que escrevo continuam e usam a minha pele como um rascunho de ti.
 
nisto, houve sempre verão ou tu não podias andar sempre nua e as janelas estarem sempre abertas e não precisarmos nunca de cobertores.
 
nisto, houve sempre verão ou eu não podia sair em calções à rua só para te ir buscar flores, arranjar alguma saudade e trazer quente a pele dos dedos todos que te dei.
 
ofereço-te os meus dedos como quem oferece umas flores que trazem nas pétalas suor e desejo.
 
tu rias-te e havia verão nesse sorriso também - era um sorriso como uma dança numa estrada deserta - como se viéssemos de mão dada do futuro.
 
nisto, houve sempre verão e o amor foi como uma boleia que apanhámos os dois.
 
sem o sabermos, no banco de trás de um acaso muito feliz, fizemos um desvio.
 
mas, amor, o verão acaba - por enquanto, não vás dançar para a estrada e fecha as janelas.
 
eu arrumei os calções na gaveta do meio e vou pôr um cobertor na cama.
 
vem, amor, que a minha pele não me chega e preciso de virgular em ti todos os meus versos.
 
anda lá.
 
eu prometo-te que, mesmo debaixo de um cobertor, há de haver verão.
 
senão não andávamos os dois nus
 
e os meus versos não trariam tanta luz.
 
RM

sábado, 2 de maio de 2015

Mãe,

se vieres ler isto, Mãe, traz um sorriso.

eu deixo-te aqui dessas flores que não murcham

(e são palavras)

vem colhê-las, anda lá.

e usa todas as jarras para guardar os beijos que nos faltam

as palavras que ainda não te disse 

e as frases que estão por vir.


se vieres ler isto, Mãe, tem paciência.

saí a correr e não me viste

(desculpa)

eu deixo-te aqui um livro a meio

lê, se puderes, a frase que sublinhei a pensar em ti

e acalma-te.


se vieres ler isto, Mãe, obrigado.
 
(vezes mil)
  
sobretudo por tudo o que não quis, não vi e não sabia

mas foi sempre tudo o que precisei.  
 

se vieres ler isto, Mãe, tenta ler a caligrafia

(amo-te)

liga-me e fica feliz, vá lá. 

e as flores, meu menino?

essas, minha Mãe, levo-as eu no coração. 


RM