Rewind

domingo, 18 de janeiro de 2015

Parabéns, Vovó!

18.01.
 
O coração sabe que é a hora.
 
O telefone chama.
 
Tu não demoras a atender.
 
"- Muitos parabéns, querida Milinha!!"
 
Curioso que se diga que o telefone chama, como se o telefone estendesse a nossa voz até à outra ponta da saudade.
 
A minha Avó faz hoje anos e isto chega.
 
E eu quase quero que este texto seja isso mesmo - uma janela cheia de luz toda aberta para dentro da pele; cada um dos instantes imensos em que, num feliz engano, cremos que vamos ser esquecidos e deixados para sempre junto uns dos outros.
 
Quem escreve, chama.
 
E eu gosto sempre de chamar o nome da minha Avó, de andar pela casa, percorrer os corredores e saber que as minhas mãos sempre encontram quem as agarre; que, afinal, sempre há uma razão para sorrir apenas porque o azul dos seus olhos pode muito bem ser um poema escrito só para nós.
 
A minha avó foi um poema escrito para mim - as nossas vozes rimam, os nossos olhos abraçam-se e as palavras são presentes que abrimos juntos na intimidade do que somos.
 
A minha Avó é um poema que sei de cor - todo o amor é uma espécie de vício, todo o amor é uma espécie de sequestro feliz.
 
E a quem se agradece que o poema possa ter mais uma estrofe? A quem agradecer a infinita alegria de poder dizer mais uma vez:
 
"- Vovó gosto muito de ti. Sabes disso, não sabes?"
 
Eu agradeço uma vez e outra, mil vezes, todas as vezes em que o meu amor encontra do outro lado quem diga:
 
"- Eu sei, meu amor. Eu também."
 
O coração sabe que é a hora.
 
O coração escreve só para dizer que já tem saudades daquilo que sabe que podemos vir a ser, Avó.
 
Vovó, os maiores amores são aqueles em que o tempo se desalinha só para que seja possível o encontro.
 
Para ir ter contigo, eu chego sempre adiantado.
 
E rio-me ao pensar que, em todas as vezes que cheguei antes da hora, tu já lá estavas:
 
"- Estava à tua espera, Ricardinho!"
 
O coração sabe que é a hora.
 
E dentro dos nossos corações, felizmente, a hora será sempre a mesma.
 
Parabéns, Milinha!


quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Até sempre, Tia,

Tive uma família que nunca me ensinou a dizer adeus.
 
A vida foi sempre um ciclo sereno em que as saudades cresciam no intervalo entre as visitas, entre as vindimas, entre as férias de Verão que pareciam não acabar nunca.
 
Até hoje, dizer adeus não deixa de ser estranho - é quase ter que chamar vida à vida sem vindimas, sem Verões em Caldelas, sem lanches e almoços em dias de anos. Todos os anos, toda uma vida.
 
Temos saudades suas, Tia Ester.
 
Outro dia, lembrei-me das nossas conversas debaixo das árvores nas termas, de como conservou a sua serenidade de Professora durante toda a vida e de como gostava de falar comigo.
 
Lembro-me muito do Avô, desses Tios e Tias que foram parte da muralha em que a infância pôde ser o chão de uma casa.
 
A Avó fala-me muito de si, fala-me dos vossos tempos de amigas na escola, muito antes de serem cunhadas, fala-me como se não conseguisse deixar de a esperar nunca.
 
Ficámos os dois a ver fotografias até muito tarde - aprendi com ela esse vício de ocupar as ausências com a doçura do que vivemos, com a verdade do que fomos uns para os outros.
 
Ri-me muito ao lembrar-me da Tia a dizer:
 
"- Ricardinho, escolhe um carro para brincares que eu dou-to." 

Era o Verão de Caldelas, era o tempo das brincadeiras sem fim e sem medo.

E logo a Tia Né a correr muito:

"- Querido, escolhe dois que eu pago."

Aprendi que em todo o amor há uma espécie de rivalidade e habituei-me a ter um coração grande como um abraço generoso onde coubessem todos quantos gostavam de mim.

Acabei essa tarde com três carros para brincar e um saco de berlindes que guardo até hoje.

O carro que a Tia me deu, ofereci-o ao Tiago, filho do Pedro, este Natal.

Gostar das pessoas é repetir o bem que elas nos fizeram, é prolongar o afecto dos outros para lá do tempo que temos por aqui.

Lembro-me do parque das termas, de beber muita daquela água e de andar a dizer à família toda que a bebesse também para que tudo durasse para sempre.

Uma família é uma árvore perene com frutos que vão caindo.  

Tenho pena de serem cada vez menos os que me chamam:

"Ricardinho."

Como se tudo fosse ser sempre bom, como se em todas as curvas da vida sempre houvesse quem nos esperasse.

"Anda cá, querido, anda cá." 

Obrigado, Tia e até um dia.

Já sabe, é só chamar.

"Ricardinho!" 

E eu arranjo uma maneira de a encontrar.