Rewind

terça-feira, 29 de junho de 2010

tempo.

Costumava pensar que o tempo é o melhor solvente. Da proximidade, e só dela, nasce o amor e a desilusão. E só sem ela se pode voltar a amar o mesmo porque nos deixa de cercar o que exactamente tanto nos magoa. Mas o que fica no fim de contas? Será um esqueleto sem carne ou as cinzas de um fogo que teve fim? Como se a acalmia chegasse depois da angústia se cansar e deixar de ladrar, tal como um bicho que, exausto, acaba por serenar. E o que justamente recomeça? Será amor - numa dessas infinitas recombinações dos seres e das relações?
Pensava que a proximidade cria o contraste, acentua o contorno do que somos. E, com ela, chega o risco da desilusão - porque o melhor avistado assim de perto surge truncado, de súbito, pelo pior, assim tornado mais nítido e explícito. Estar perto, viver de perto é reconhecer a imperfeição do outro. E é aí que talvez começe o verdadeiro amor: talvez só aí ele exista - quando se ama por cima ou acima disso mesmo. O amor é o resgate que pagamos para ter alguém de volta. Como se o perdão libertasse o outro. Porque o perdão é uma coisa feita e gerada no íntimo da nossa humanidade; daquilo que todos trazemos escrito como um código na correnteza do sangue.
E sentimos que perdoamos quando damos a mão. Quando, por se recomeçar, estamos a dar a mão ao que nos torna capazes de tanto, no meio de tão pouco.
Perdoar é abraçar o mais íntimo de nós mesmos e reconhecer que aquilo que foi amado nunca deixa de ser uma memória que podemos, um dia, retomar e levar, de novo, para o caminho.

domingo, 27 de junho de 2010

exposição [close.up]

Eu vou!

suzanne_hope sandoval.

ferembal house_jean prouvé.

Uma boa notícia. "Ferembal house" estará, em breve, pronta para correr mundo e dar a conhecer a fabulosa obra de jean prouvé. E o mérito cabe a patrick seguin.
Em 1940, jean prouvé desenvolveu um sistema de construção em massa de casas para os deslocados da guerra. Eram precisos apenas cerca de três homens e um dia para o processo estar concluído. Um processo semelhante ao destas "maison des sinistrés" foi usado na casa ferembal. Esta, contudo, foi construída com o propósito de servir de escritórios de uma fábrica de latas de um amigo de prouvé. Construída em 1948, na sua cidade natal, Nancy, a fábrica acabou por vir a desaparecer em 1978. Destino quase idêntico teve esta obra. A sorte quis que seguin conseguisse adquiri-la da pessoa que a havia recolhido, pela quantia de 1500 euros. A obra está, hoje, avaliada em cerca de 8 milhões.

Contudo, para que a casa se possa deslocar seguin recorreu aos serviços de outro portento da arquitectura contemporânea - o mestre jean nouvel, seu amigo, aliás. O processo de construção envolveu um esforço e um cuidado imensos por parte do último - este quis que se notasse, contudo, que esta simbiose resulta de dois contributos absolutamente distintos. A grande diferença reside sobretudo na escolha dos materiais.

Paris poderá apreciar esta obra já este Outono. Seguin, que é proprietário de uma esplêndida galeria perto da Bastilha, detém também o edíficio escola de Boqueval, norte de Paris, construído em 1949. Este, também em processo de adaptação por parte de Nouvel, foi comprado por seguin com o intuito de ser a sua residência. Esperemos que ferembal house passe por cá.



sábado, 26 de junho de 2010

david hockney.


thoughts

A consciência abriu o mundo ao homem, mas deu-lhe a conhecer também a solidão. O homem pôde ouvir outras vozes mas, sobretudo, ouvir a sua também. Depressa, porém, essa deixou de bastar. Saber-se trazia inscrito um apelo: esse de precisarmos do outro; isso a que chamamos amor.

estômago_marcos jorge.


Saramago (1922-).

O dia em que, pela primeira vez, encontrei José Saramago aparece hoje como uma recordação nítida, ampla como um acto contínuo de deslumbramento e admiração. Um deses amores prolongados, alimentados pela luz de uma voz. Poucos o são homens dessa forma; menos ainda o conseguem dizer de uma forma tão verdadeira. E Saramago era isso tudo: era o homem, cujo retrato era revelado pela força da palavra; era a verdade na nudez explícita que o traço fino da ironia teimava em expor.
De Saramago ficam as palavras, dizem. Mas não. A palavra em Saramago é, como em poucos, ele mesmo: a sua convicção, o seu embate, a sua ferocidade, a sua desilusão. Escrever sobre o homem é conhecê-lo. Escrever como Saramago é assumir-se como homem: o homem no seu duelo com o mundo, na sua angústia, na sua alegria, no seu desalento.

É a vida que sempre se elogia. É esse impulso, essa sede que é a raíz de cada parágrafo. E, com ela, a humanidade.

Por isso, também se admira o homem: apesar de estarmos longe em muita coisa, era a sua sinceridade, a sua coerência que sempre me levavam até ele. Como acaba acontecendo com todos os que possuam esse dom. Como disse, uma vez, "só a morte nos ensina a entender a vida."

E, na verdade, o difícil é entender a morte quando se nos rouba tanto. Quando sentimos perder alguma coisa que nos ajudou a entender a nossa; que nos foi também em tanto do que disse.

Mas Saramago continuará sempre. Porque todos seremos sempre capazes de lhe reconhecer a voz na luta que se vive nas suas palavras. Essa voz era o seu rosto. E aos que venham ficará a lembrança de um homem de feições duras e sorriso raro - mas cujo sorriso, quando aparecia, significava uma promessa que, no seu caso, sempre se cumpria.


"...não tinha fé em Deus (mas certamente Deus teve fé nele)"

gabriela canavilhas



Não me Peçam Razões...

Não me peçam razões, que não as tenho,
Ou darei quantas queiram: bem sabemos
Que razões são palavras, todas nascem
Da mansa hipocrisia que aprendemos.

Não me peçam razões por que se entenda
A força de maré que me enche o peito,
Este estar mal no mundo e nesta lei:
Não fiz a lei e o mundo não aceito.

Não me peçam razões, ou que as desculpe,
Deste modo de amar e destruir:
Quando a noite é de mais é que amanhece
A cor de primavera que há-de vir.

José Saramago, in "Os Poemas Possíveis"




SCUT'S*

*sem custos, "u" tanas!

quinta-feira, 10 de junho de 2010

noite.

Saía, enfim, de casa. Uma noite muito escura: como um lençol esticado sobre o mundo. No ar esse rumor entorpecido de um dia que quase já não se ouvia. A cidade quieta, apenas se ouvindo as ondas e os passos nos passeios húmidos. Descer até à praia. E ficar só - como se se pudesse ver a vida de fora dela; vivê-la como num intervalo com cheiro a maresia. Não participar dela, como para ter tempo para prolongar as horas que soubemos demasiado curtas, demasiado breves e esguias. Lembro-me sempre de ti. De como chegavas para me pedires o meu ombro. E agasalhares o teu corpo no meu - assim como se ambos pudessemos desistir de seguir no compasso que se nos impõe.
A luz dos teus olhos e o recorte dos teus lábios; a tua pele com um ligeiro arrepio. E o encaixe perfeito da tua respiração na face vazia do mundo. Ouvir o que me dizes - a noite, como sempre, o nosso refúgio, como uma luz que ilumina o que outros nunca viam em nós.
Na noite, a única luz é a da intimidade - como se vestíssemos os corpos um do outro e soubessemos o que nos pesa a alma, enquanto as ondas se fazem vidro que reflecte a noite.
Os teus olhos eram o meu reflexo; dizias que as minhas palavras eram o teu. E que as minhas mãos te tornavam a vida mais fácil de usar sobre o corpo.
As palavras que o vento ouvia e abafava como uma cortina - as horas que finalmente corriam sem que lhes chamassemos tempo ou sem as sentirmos cair-nos no corpo.
Tu com um casaco meu - que me pedias a rir. Deixavamos a vida toda ali na praia - e o brilho dos teus olhos a tornar tudo, de repente, tão mais sereno e luminoso. O teu corpo a prometer um exílio feliz. As noites eram sempre longas. E quase sentia que nascíamos de novo - o teu corpo adormecido no meu com o sabor salgado das ondas. Tão simples a vida: despida assim do que a torna um eco distante. Contigo nunca me senti viver nos intervalos.
O mar traz-me sempre o eco do que me sabe mais ser a vida. Talvez por ma ter ouvido quase toda - como um barco atraído pelo farol dos meus olhos que acendias sempre. O mar sempre me trouxe esse sabor de regresso. Como se fosse uma noite muito escura. E tu chegasses. Para trazeres escrito no olhar o nome daquilo que peço.

nicola conte_quiet nights

segunda-feira, 7 de junho de 2010

lobo taste.


Parabéns Tio Paulo!

LOBO TASTE:
Palácio das Artes, Lgo. de S. Domingos, 16-22, Porto
Seg-Dom 10h-20h