Rewind

domingo, 23 de julho de 2017

mãe,

amar-te-ei sempre mais a cada um dos meus versos não relidos
ditos todos assim com a pressa dos que se amam com verdade -
esvazio os bolsos fundos na folha ainda em branco - 
e mais do que poesia, é amor tudo o que teu trago comigo 

entre nós, mãe, há poemas meus que falam de cafés, de livros trocados, 
dos erros que a gramática trapalhona dos amores acesos deixa no papel e na pele 
de passeios, mesas de jantares felizes ou de janelas de onde se veja o teu rosto 

porque poesia, mãe, podem muito bem ser as flores que o teu amor faz nascer nos canteiros de cimento da vida. 

amar-te-ei sempre, querida mãe, com a pressa de quem chega da rua
de quem, mesmo no escuro, se guia pelo teu cheiro nas curvas da casa e sempre te encontra
os olhos demorando-se nos vincos da tua pele quando sorris ou a doçura nas tuas mãos que me pousas no ombro, mesmo antes de eu sair, 

Mamã, amo-te, 

os degraus engolidos e um último olhar meu como que certeiro no teu coração - que te abrace, te chegue, nos baste e te agradeça, meu amor. 

por isso, mãe, alguns poemas falam de tudo quanto um filho acumula no bolso das calças gastas - 
os dedos a pescarem a infinita bondade com que me esperaste sempre, 
todas as vezes em que inventaste uma resposta só porque eu precisava que a verdade doesse menos
e ser tudo isso amor - uns jeans, um filho com pressa para chegar a casa e alguém que sempre o esperou

riem-se da nossa poesia tonta, os que vêem um filho guardar o amor da mãe nos jeans

e talvez, até, que não haja poesia alguma nem sejam versos sequer as vezes em que - 

voltei a passear contigo na praia, 
te levei a jantar só comigo, 
me aninhei no silêncio em que deixas não ser preciso falar

talvez, querida mãe, não seja isso um poema. 

mas, mãe, deixa, por favor, que continue a poder amar-te como quem despeja do bolso dos jeans coisas esquecidas e que, de repente, me lembram de que o teu amor é o chão de todos os meus caminhos. 

riam-se os que não lhe chamam poesia - eu escolherei sempre chamar-lhe amor, mãe. 

chamando-lhe poesia ou não, sabe tu ao menos
que mesmo quando a métrica não esteja certa
e eu fale de coisas pouco dignas de versos muito pensados

tu, mais que ninguém, sabe que, se é amor, é poesia, 

porque o meu coração não desiste de chamar por ti. 

Amo-te. 


RM| XXIII-VII-MMXVII