Rewind

domingo, 12 de junho de 2016

Avô,

às vezes, a saudade é um lugar errado
onde fica tudo o que foi certo

descendo, devagar, vejo

a tua caneta parker
o teu porta moedas
e a tua boina no sofá

e a saudade é um lugar errado
debaixo de um poente repetido onde faltas tu

mas eu vejo, ainda

a tua primeira fotografia comigo quando nasci
no dia em que faço 29 anos,
olho-a de novo

que lugar tão cheio de coisas certas
que doem
que faltam
que falam

sabes,
às vezes, demoro-me nos lugares errados
pego-te na caneta parker e escrevo o teu nome

uma, duas, três
todas as vezes
e o teu nome é uma árvore ou um pretexto de sonho

e a tinta não me acaba nunca.

sabes,
às vezes, pego-te no porta moedas
e roubo-te uma moeda
só mais uma hora, senhora saudade, por favor

e o parquímetro pára de nos contar a distância.

sabes, nas vindimas pego-te na boina
e fico a olhar o verde da esperança que ter-te tido me deixou

e a boina, mesmo pequena, serve-me, outra vez.

serve-me a boina
há tinta na caneta
e uma moeda para mais uma hora nesse lugar errado
onde ficou a coisa mais certa da minha vida

que és tu.

[Saudades, Vovô.]

RM| XII -VI - MMXVI