Rewind

segunda-feira, 28 de julho de 2014

acaso,

na solidão de todas as sombras falta abrir a janela infinita dos teus olhos
e na pele de todas as coisas deixar cair levemente o mistério do teu cheiro
meu amor, continuam teus dedos galopando-me sempre a escada do peito
como se nos degraus do acaso fossem meus lábios morder os teus

meus olhos ficaram presos no vidro quente da varanda de onde te via
no ferro retorcido ainda fervem os desejos que trago escritos nos dedos
e sei no voo dos pássaros rasgando o tecido fino da tarde que se deita
que ficaram por atar, junto da praia, os teus braços no lume sincero dos meus

como se de um jardim sereno só tu e apenas tu trouxesses as flores
e por tua mão em todas as fontes o tempo escorregasse devagar
pedi que fosses tu aquela que vinha atravessando a espessura vazia das ruas
para que fosse de novo verdade que havia luz e eras minha

vem abrir de novo os caminhos por entre a vastidão da espera
senta-te ali de onde se vê que o rio passa devagar num beijo lento
vem olhar o mar que abre os braços ao fundo por entre a areia
sempre voltando a tempo de ser tempo de um regresso

RM


terça-feira, 22 de julho de 2014

Mãe,

é sempre a mesma a terra dos recantos frescos do jardim
e são sempre os mesmos os corpos das árvores longos como rios
foi neles que atei sempre os laços da saudade como cavalos na sombra
para que apenas o encontro doce dos teus braços os pudesse libertar

é sempre tempo de voltar correndo de dentro do pó dourado dos caminhos
e deixar pousar no céu do meu peito as aves que são os teus olhos vivos num abraço
é sempre tempo de pendurar na pedra dos muros a luz das tardes que passaram
e acreditar, só porque sim, que os passos do mar ao fundo são os de um encontro

é sempre tempo de beber da chuva da tua voz no deserto do mundo 
e recolher à muralha florida do teu nome onde o amanhecer é lento e luminoso
é sempre tempo de deixar esquecido no cais a esquina da rua em que parti
como se somente no vento e pelas ondas se quebrem nus todos os segredos

é sempre tempo de te esqueceres da tua mão nos meus cabelos
e deixar que o lume se levante e dance na lareira acesa e só
é sempre tempo de dizer "Mãe" no chão aberto de todos os meus sonhos
e ver que deles brota abundante uma nascente infinita de esperança
 
RM




segunda-feira, 21 de julho de 2014

para ti,

toco o teu rosto para conhecer flores que nunca vi
as minhas mãos cercam a luz dos teus lábios num suspiro
desato a sorrir como se se abrisse uma porta imensa
de que o reflexo doce do teu corpo é a chave

encontro os teus olhos na primeira esquina da saudade
o teu cheiro dança em todas as coisas que não vejo
como se numa praia enorme e em silêncio
se soltasse da sombra das horas a esperança

não trago ainda em meus lábios o tempo da renúncia
em meu sangue a primavera dorme ainda junto ao mar
e todas as cartas que o teu nome deixa abertas
são instantes que nas ondas se desfazem para voltar

dizia-te que não sei dançar e no entanto
meu corpo acompanha o teu como uma estrada
de cada um dos lados se erguendo contra o longe
dois braços que as curvas do acaso souberam enlaçar

RM

segunda-feira, 14 de julho de 2014

voltaremos,

voltaremos sempre no sol do estio
para selar nos teus lábios a verdade luminosa deste engano
e para voar como os pássaros num céu que não desaba

voltaremos sempre no sorriso das flores que se envaidecem
e não traremos mais nos olhos a fadiga das coisas que se quebram
pois nossas mãos serão tão fundas como um rio já sem margens

voltaremos sempre nas janelas que se abrem na manhã
e hei de caminhar perdido no ventre da cidade que desperta
para repetir somente o espanto repentino do teu vulto

voltaremos sempre nas sombras que dançam em redor do fogo
para dentro da noite eu vestir o teu corpo inteiro da luz de mil promessas
e não deixar o mar devorar a infinita graça do teu nome

voltaremos sempre escondidos nos braços largos de um jardim
e a frescura tenra das fontes e dos caminhos será como dantes o espelho
onde o meu rosto correrá sorrindo a encontrar o teu

voltaremos sempre para cavalgar as ondas que não vimos
e pisar a chuva que amacia o escuro das ruas que se alargam
para passar secreta a memória dos teus braços junto aos meus

voltaremos sempre no som de uma porta que se abre devagar
como se em tudo ardesse o calor morno de um abrigo generoso
e debaixo da nossa pele houvesse ainda segredos para contar

voltaremos sempre no sangue que decorou do outro os nomes todos
e ao chegar perto do peito estremeceu como se visse
que também o silêncio é sempre forma de chamar-te


RM


domingo, 13 de julho de 2014

Avô,

a saudade tem boca e fala por entre as árvores
o vento corre como se fosse menino
e a liberdade é um grito que pede um regresso

ainda ouço os teus passos dentro do escuro
e ainda as paredes dormem e podes passar
a tua mão a pegar na minha para irmos juntos

os meus dedos gritam o teu nome e arde a tua ausência
dentro da noite, por entre as sombras, o orvalho acende-te o caminho
e hás de vir porque se não apagaram ainda as estrelas

ainda me debruço na janela de uma conversa que ficou suspensa
o meu abraço é o mais alto voo na tarde que se abre
e é quando o horizonte se deita que a luz da manhã podes ser tu

RM

terça-feira, 1 de julho de 2014

no tempo,

no tempo em que todas as manhãs eram regresso
e sem demora se erguia no silêncio a tua sombra
tua boca era um rumor de folhagem ardendo no escuro
e meus olhos eram todos essa urgência do que é teu

no tempo em as esquinas se encolhiam num abraço
e era sempre doce o colo dos poentes clandestinos
todas as flores se abriam serenas nos teus olhos
e era ainda e sempre hora de ficar

no tempo em que os ossos se atavam em segredo
e no sangue houve marés de um desejo eterno e longo
na luz da tua ausência o mundo era uma pálida demora
e nas sílabas do teu nome era ainda vivo o horizonte

no tempo em que de longe me chegavam tuas cartas
e a saliva dos meus lábios sempre trazia saudade
na areia se gastava o tempo suspenso da distância
e em meus braços se abria a praia de um eterno recomeço

no tempo em que julgámos ser eternos
e erguemos sobre as rochas cidades de sonho e de amanhã
havia infinito na enseada do mistério do teu corpo
como se os pássaros pudessem para sempre descansar

RM