Rewind

domingo, 25 de agosto de 2019

24.08| Avô,

Meu querido, 

Ficámos teus desde o primeiro dia. 

Guardo-te, até hoje, como uma prova de que o amor pode existir para lá de qualquer medida e que, uma vez acesos os corações por onde ele passa, nada há que possa, jamais, apagá-los. 

Foste tudo para a Mãe - foi em ti que ela sempre encontrou o que lhe faltava, foi dentro dos teus braços que o abrigo foi mais fundo, mais sincero e, mais do que tudo, incondicional. 

Por isso, meu querido, nunca estarão ditas sobre ti ou usadas para descrever o que nos foste, todas as palavras.

Volto ao teu jardim - sento-me contigo enquanto os teus dedos longos desenham a paisagem, teimo em não esquecer a tua voz e, mais do que tudo, corro sempre em direcção ao teu sorriso doce que, até hoje, me chama.

Fala-me das tuas viagens, pedia-te. 

E tu, feliz, recordavas essas outras latitudes, esses outros mundos que te fizeram maior do que quaisquer circunstâncias que te limitassem.

Era um gosto ver-te no jardim com a Mãe - as mãos sempre dadas e os sorrisos postos nas vossas caras como uma toalha encorrilhada de uma mesa em festa que ninguém quer que termine. 

Vocês esqueciam-se um com o outro do mundo - um com o outro estavam inteiros. 

A tua nobreza ia muito para lá do teu sangue - és a árvore mais perene do coração da minha Mãe e, graças ao bem que lhe deixas, há sempre um perfume doce quando ela te lembra. 

Dançavam nos bailes do Palace com essa certeza de que, vivessem vocês mil anos, ninguém vos levaria para longe um do outro. 

Fazes-nos muita falta. 

Fazem falta as árvores perenes na nossa vida. 

Por isso, voltaremos sempre ao teu jardim. 

Como te dissemos em pequeninos, sentados, eu e o A., no cadeirão de couro em frente à lareira, 

Nunca vamos deixar de tomar conta da Mamã, Vovô

Era isso que tu quererias, é isso que ela nos merece. 

Talvez casemos no Palace, quem sabe. 

A Mãe nunca mais teve noites de baile como essas.
 - ela continua à tua espera. 

Estarás lá connosco, isso é certo.

Eu e o A. a tentarmos que, no nosso abraço, a Mãe sinta que a luz do teu nome nunca se apagará. 

Obrigado. 

Parabéns! 

Um beijo, 

R. 

XXV-VIII-MMXIX

sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Vovó,

Milinha, 

Há cartas que a vida nos deixa escritas nos exemplos que encontramos pelo caminho. 

Desde pequeno que vivo maravilhado com tudo o que te diga respeito - o amor começa, conforme já disse, com o espanto. 

Que era isso que tu trazias dentro de ti, isso que tu não conseguias deixar de dar, que vontade infinita de bem era essa - a que te fez, sempre e sempre, maior do que tudo?

És a mais perfeita das cartas - há em ti, até hoje, uma caligrafia segura e firme, conheces uma gramática em que se conjuga a luz e o amor como ninguém e és sabedora de um idioma desconhecido das pessoas comuns, dos que apenas existem, dos que olhando, nunca vêem realmente. 

Mais tarde, pude perceber que eras uma carta dirigida a mim - que raio teria eu para que, todos os dias da minha vida, eu sentisse que me procuravas, me desejavas futuro, que me escolhias e querias ficar?

Até hoje, por tudo isso, só quero merecer-te. 

Penso em ti cada vez que o meu coração se aperta e, tal como tu, acredito que o passado não pode ser esquecido. 

A brincar, como te disse outro dia, somos duas casas assombradas - o passado, para nós, é a morada de todas as nossas certezas, o tempo em que as horas nada eram senão alegria e esperança no ventre doce da felicidade. 

No meio do escuro, o meu coração alegra-se quando me pedes,

Posso dormir em tua casa hoje?,

Tu sabes que sim - que, como te prometi, quando quiseres fugimos os dois - voltamos à Aparecida do Avô António e da Avó Maria do Carmo, do Avô Arnaldo e da Avó Maria da Conceição - quero, já te disse, que mos desvendes. 

E tu levas-me, pela mão, ao tempo que veio antes de mim.

Falamos sobre tudo - há, minha Milinha, uma nudez cómoda entre nós.

Fico ainda mais feliz quando me dizes, 

Tu e o teu irmão são as únicas pessoas em quem confio.

Vou amar-te sempre, minha luz.

Abro com um espanto imenso, até hoje, a carta que o teu amor me deixa.

Que carteiro te enviou para nós? - outro dia, o A. chamou-te "o nosso pequeno milagre."

Tu perguntaste-me,

Estás triste, meu amor?

E eu respondi-te, 

Milinha, quem pode estar triste com uma Avó como tu?,

Abraçaste-me longamente 
- e eu sou daí. 

Como uma carta. 

Como alguém que, finalmente, chega onde é esperado. 

Obrigado por tudo, em todas vezes. 

Beijos mil, 

R. 

XXIII-VIII-MMXIX