Rewind

segunda-feira, 29 de julho de 2013

teu corpo|

Que minha boca te não gaste o corpo
Se nos meus beijos o fogo se acende e então alastra
Que teu corpo seja na noite funda que começa
O chão do sonho sem tempo e sem medida
E isso basta

RM

cidades|

E as cidades são luzes na distância
De longe vejo as ruas em que meus dedos te tiveram
A noite é uma gruta em que o vento te busca e te chama 
E no abrigo das sombras como braços
Todas as coisas, de novo, se disseram
RM

a tua boca|

Não querer mais nada que não a tua boca
E nela escutar todas as palavras de lume do amor
Não querer mais nada que não a tua boca
E nela escutar o sangue correndo a estalar-me a pele
Não querer mais nada que não a tua boca
E saber que o amor vem dito nas palavras novas que só tu me ensinas
Não querer mais nada que não a tua boca
E saber que o amor é mais que tudo um silêncio
Um silêncio de fome e voo picado
Em que a saliva queima
E um grito fundo sobe sobre a noite

RM

domingo, 28 de julho de 2013

linha vermelha|


 

“Às vezes não se sabe o que vem primeiro, se a realidade ou a ficção…As personagens de Torre Bela eram ao mesmo tempo ocupantes e actores. As personagens de Torre Bela viviam ao mesmo tempo num tempo real e num tempo ficcionado. Mas não é este o poder do cinema? O de levar a imaginação mais longe para transformar a vida?”

 

afterwards|


to rome with love|


quinta-feira, 25 de julho de 2013

noite|

E a noite vem estender-se comprida no fundo do teu ventre
E encher do pó dos sonhos a areia fina do teu corpo 
É quando a noite chega doce e mansa
Que tudo é espanto no leito de meus olhos
E todo o infinito é perto e já se alcança
Vem com a noite dormir toda no rumor dos corpos
E dizer das palavras a vida proibida
Vem com a noite demorar o tempo nas esquinas
É quando a noite vem
que de ti fica
Um cheiro de alameda florida

RM

palavras da tua ausência|

As palavras da tua ausência
São silêncios esperando teu corpo para falarem
São o respirar pesado das janelas esperando teus olhos
E a cama de braços abertos querendo teu cheiro
As palavras da tua ausência
São a vida adiada no ventre do mundo inteiro
E a expectativa de paz não cumprida nas flores do jardim
As palavras da tua ausência
São de todos os gritos o mais fundo
Se tu não vens e não chegas
Para morar comigo o tempo até ao fim

RM

segunda-feira, 22 de julho de 2013

de ti|

Deixas-me a boca repleta do sal dos teus beijos
E meu corpo é uma praia esperando teu regresso
Deixas-me o olhar cheio de um infinito de desejos
E só a ti, inteiro, me confesso

Deixas-me o peito aberto sobre o mar
E meus lábios falam da fome de te ter
Deixas-me a boca quieta sem falar
E minha pele ardendo de prazer

Deixas-me as mãos cheias de sonho e de verdade
E na memória a vontade de voltar
Deixas-me um infinito inteiro de saudade
E na noite um fogo alto a começar
RM


domingo, 21 de julho de 2013

le conseguenze dell'amore|


360|


melissa p.|


do amor|

O amor é, por definição, um lugar pouco povoado. Só assim se revela o mistério profundo dos seres a caminharem dos dois lados de um mesmo caminho. E o amor morre sempre com os amantes - é somente a pele o manuscrito do que se vive, a terra de todos os impactos, o céu de todos os armistícios, a testemunha de todos os crimes. A intimidade nasceu para permitir o amor - e o amor é feito dessa extensa camada de despojos que se alojam sob a pele e pousam nela sem que os olhos da multidão os vejam.
Amar é saber ler de olhos fechados - as letras, as palavras, a linguagem do amor é, de súbito, o outro, a sua forma de pontuar a vida, de pronunciar as coisas e de as demorar no fundo dos olhos.
Amar é  fluência numa língua estrangeira; é ser refém e sentir aumentada a liberdade, porque cada coisa surge ampliada e engrandecida pela gramática que só aprendemos depois nos conjugarmos e à nossa existência no plural.    

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Mãe,

O tempo diz que não te amo
Porque o meu amor não dança na sombra dos ponteiros
E é todo feito dessa valsa do sangue e do sonho
E quando o tempo te disser, minha mãe, que te não amo
Lembra-lhe somente que é a lenha dos teus braços que nunca é pouca
Para queimar a urgência com que meu peito te chama
No escuro de todas as noites e caminhos

RM

céu dos teus olhos|

Vovó,

Hei de voltar inteiro ao céu azul dos teus olhos
E neles descobrir o tempo sem medida e sem distância
Hei de voltar inteiro ao céu azul dos teus olhos
E neles descobrir o sonho sem chão e essa infância

Hei de voltar inteiro ao céu azul dos teus olhos
E ter do mar o beijo das tardes dentro do fogo do Estio
Hei de voltar inteiro ao céu azul dos teus olhos
E descobrir na pele bem fundo o arrepio

Hei de voltar inteiro ao céu azul dos teus olhos
E ter de ti o agasalho da noite e do caminho
Hei de voltar inteiro ao céu azul dos teus olhos
E nunca ter de caminhar sozinho

Hei de voltar inteiro ao céu azul dos teus olhos
Para sempre aí por ti ir procurar
Hei de voltar inteiro ao céu azul dos teus olhos
E ficar neles sorrindo a ver o mar

RM 

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Avô,

Lembrar-te na tarde que se deita sobre a terra
E ouvir ao pó os passos que podiam ser os nossos
Lembrar na pedra dos muros a solidez dos abraços
E não haver na noite a sombra dos destroços

Lembrar-te na luz que brinca com o vento
E saber-te por perto por entre as vinhas
Lembrar-te a voz sorrindo um momento
No tempo das horas que são minhas

Lembrar-te por cima do tempo que não veio
E saber-te vivo nas vozes que te chamam
Lembrar na paz de um peito cheio
O nome das coisas que se amam

RM 




sábado, 6 de julho de 2013

Em tempos em que quase tudo nos falta, a falta que fazem alguns|

Acho que descobri a política - como amor da cidade e do seu bem - em casa. Nasci numa família com convicções políticas, com sentido do amor e do serviço de Deus e da Pátria. O meu Avô, Eduardo Pinto da Cunha, adolescente, foi combatente monárquico e depois emigrado, com a família, por causa disso. O meu Pai, Luís, era um patriota que adorava a África portuguesa e aí passava as férias a visitar os filiados do LAG. A minha Mãe, Maria José, lia-nos a mim e às minhas irmãs a Mensagem de Pessoa, quando eu tinha sete anos. A minha Tia e madrinha, a Tia Mimi, quando a guerra de África começou, ofereceu-se para acompanhar pelos sítios mais recônditos de Angola, em teco-tecos, os jornalistas estrangeiros. Aprendi, desde cedo, o dever de não ignorar o que via, ouvia e lia.
Aos dezassete anos, no primeiro ano da Faculdade, furei uma greve associativa. Fi-lo mais por rebeldia contra uma ordem imposta arbitrariamente (mesmo que alternativa) que por qualquer outra coisa. Foi por isso que conheci o Jaime e mudámos as nossas vidas, ficando sempre juntos. Fizemos desde então uma família, com os nossos filhos - o Eduardo, a Catarina, a Teresinha - e com os filhos deles. Há quase quarenta anos.
Procurei, procurámos, sempre viver de acordo com os princípios que tinham a ver com valores ditos tradicionais - Deus e a Pátria -, mas também com a justiça e com a solidariedade em que sempre acreditei e acredito. Tenho tentado deles dar testemunho na vida política e no serviço público. Sem transigências, sem abdicações, sem meter no bolso ideias e convicções.
Convicções que partem de uma fé profunda no amor de Cristo, que sempre nos diz - como repetiu João Paulo II - "não tenhais medo". Graças a Deus nunca tive medo. Nem das fugas, nem dos exílios, nem da perseguição, nem da incerteza. Nem da vida, nem na morte. Suportei as rodas baixas da fortuna, partilhei a humilhação da diáspora dos portugueses de África, conheci o exílio no Brasil e em Espanha. Aprendi a levar a pátria na sola dos sapatos.
Como no salmo, o Senhor foi sempre o meu pastor e por isso nada me faltou -mesmo quando faltava tudo.
Regressada a Portugal, concluí o meu curso e iniciei uma actividade profissional em que procurei sempre servir o Estado e a comunidade com lealdade e com coerência.
Gostei de trabalhar no serviço público, quer em funções de aconselhamento ou assessoria quer como responsável de grandes organizações. Procurei fazer o melhor pelas instituições e pelos que nelas trabalhavam, cuidando dos que por elas eram assistidos. Nunca critérios do sectarismo político moveram ou influenciaram os meus juízos na escolha de colaboradores ou na sua avaliação.
Combatendo ideias e políticas que considerei erradas ou nocivas para o bem comum, sempre respeitei, como pessoas, os seus defensores por convicção, os meus adversários.
A política activa, partidária, também foi importante para mim. Vivi--a com racionalidade, mas também com emoção e até com paixão. Tentei subordiná-la a valores e crenças superiores. E seguir regras éticas também nos meios. Fui deputada, líder parlamentar e vereadora por Lisboa pelo CDS-PP, e depois eleita por duas vezes deputada independente nas listas do PSD.
Também aqui servi o melhor que soube e pude. Bati- -me por causas cívicas, umas vitoriosas, outras derrotadas, desde a defesa da unidade do país contra regionalismos centrífugos, até à defesa da vida e dos mais fracos entre os fracos. Foi em nome deles e das causas em que acredito que, além do combate político directo na representação popular, intervim com regularidade na televisão, rádio, jornais, como aqui no DN.
Nas fraquezas e limites da condição humana, tentei travar esse bom combate de que fala o apóstolo Paulo. E guardei a Fé.
Tem sido bom viver estes tempos felizes e difíceis, porque uma vida boa não é uma boa vida. Estou agora num combate mais pessoal, contra um inimigo subtil, silencioso, traiçoeiro. Neste combate conto com a ciência dos homens e com a graça de Deus, Pai de nós todos, para não ter medo. E também com a família e com os amigos. Esperando o pior, mas confiando no melhor.
Seja qual for o desfecho, como o Senhor é meu pastor, nada me faltará.

Última crónica de Maria José Nogueira Pinto, publicada a 7 de Julho de 2011, no DN.