Rewind

domingo, 18 de abril de 2010

avó.

Volto com a imagem do sol a morrer no fundo azul dos teus olhos. Lembro-te o corpo quieto junto ao meu. A Gó por perto como o nosso amparo de sempre. O meu irmão connosco e o tempo a parecer vestir de novo um corpo leve - como uma janela com uma luz tão grande que varresse do chão qualquer sombra. Reparo nas tuas mãos e nas dobras que a pele tem ao longo dos teus dedos longos e finos e tento adivinhar que palavras o tempo nelas escreveu. Imagino que elas falam do amor: dessa matéria enorme, ruidosa, serena, espaçosa que ele é - o caminho da nossa pele que eles tantas vezes percorreram; as falhas que eles tentaram corrigir, o impacto de tantas dores que eles tentaram amortecer.
Falamos do avô. E noto que a saudade nos embacia a todos o olhar. Fizeste anos de casada no dia em que a Primavera começa.
Entretanto escondo o medo num sítio onde o não vejas. Encho de força um abraço como se isso fosse ser sempre o teu lugar para mim. Queria o tempo como esse ente ausente que te permitia ser toda minha. Hoje ele vem connosco e sou eu que o trago comigo.
Foi bom esse fim de tarde. Passo as minhas mãos nas tuas e prendo os meus dedos até os nós ficarem brancos da força que faço para que fiques. Reparo que os meus dedos começam a ter pequenas linhas, traços finos que serpenteiam os ossos. Eles falam do amor que te guardo. Levo-te para vermos os pássaros, como fazias comigo em pequeno. E ficamos a admirar as flores do jardim nas árvores que abrigaram a tua infância.
Tenho medo. Esse medo que não se confessa. Medo de que a Primavera chegue e as flores venham com ela mas não haja o brilho dos teus olhos como o mais perfeito dos mares onde o calor das tardes se apaga.
Vejo que a Gó e o meu irmão estão por ali. Como o tempo nos engradeceu os corpos. E, de repente, vejo que tudo mudou. Os corpos pesam. E nas histórias que nos contam vejo nas vossas palavras o que os meus olhos viram, em tempos. E fico a saber que as nossas vidas ficarão unidas.
Os vossos sorrisos temperam tudo. E enquanto o sol se põe com o som dos pássaros e as flores perfumadas no jardim há o calor que nunca desaparece. O das palavras. E o do amor que nos temos. Esse ficará guardado nas linhas que temos nas mãos. Que nos lembrarão a todos de cada um dos outros. Como se sempre houvesse Primavera e a casa se abrisse em festa - no dia em que fazes anos de casada. E todos os dias fossem dias para celebrar o amor.

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