Rewind

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

parabéns, Avó.

Nasceste para mim como a minha própria vida. Desconfio que o meu sangue já te trazia nesse eco que nos puxa de encontro ao mundo pela primeira vez. Recordo-te no fundo de todas as coisas - o traço fino do teu carácter a acentuar a beleza, a amparar a dureza, a compensar desaires, a consertar o desalento com esse discurso inteligente e luminoso que herdaste das paredes da casa que te fez e que permanece na casa que tu és, sempre, para os que te faltam.


Falamos os dois com esse despudor que nos fez sempre cúmplices - ouço-te para me maravilhar com essa inteligência que fica presa nas palavras que me envias, para me orgulhar do sentido que puseste na tua vida - nesse caminho em que a tua vontade foi sempre um lugar de aconchego para todos nós. Os teus desejos, como o teu nome, têm sempre aqueles a quem mais queres.


És para mim uma espécie de vício - sempre o foste, com esse azul brilhante dos teus olhos como um altar de luz, como um cristal fino e delicado.


Hoje foste ver o mar - o mar que descobriste cedo na infância e que sempre procuraste para te brindar com calma e esperança e para ouvires o silêncio que a luz leva no colo.


Celebras hoje a tua vida - eu, enquanto partilhas na mesa do chá as memórias que te alimentam, reparo que a minha vida se confunde com a tua voz pelos corredores, com a minha memória de ti a cuidares das inúmeras flores no jardim, contigo a desejar entrar nas nossas vidas e viver nos tempos de hoje. Contigo mais feliz porque me tinhas para ir ver os pássaros, para voltar contigo ao espaço da tua infância, para caminhar nos tempos das férias na praia com o teu braço preso no meu. Admiro-te com essa força que se expande até ao limite dos ossos e nos faz conhecer uma outra escala para os afectos e as memórias.


Rio-me contigo - conto-te coisas que me ficaram do que passou, falo do avô e prometo-te caminhar sempre de braço dado com o vosso exemplo.


Ter-te conhecido - saber-te por dentro, ter testemunhado essa avalanche de força, de perspicácia, de valores feitos rocha dentro de ti, emprestou à minha vida um céu mais alto, um sol maior e uma noite mais curta.


Fez de mim um elo nesta cadeia de pessoas que vive debaixo desse abrigo que são os afectos que o tempo não pode apagar.


Falamos do teu pai e da tua mãe, dos teus avós, dos teus tempos de colégio e dessa casa cheia de gente que te brindou com carinho e sorrisos francos e abertos e te despertou o peito para os seus exemplos.


Essa atenção extrema aos teus - és uma artífice da memória - e contigo aprendi esse vício de aperfeiçoar o retrato daqueles que subsistem em nós como que a provar que os afectos são o testemunho da nossa vocação e chamamento para a eternidade.


Espero que o teu nome esteja sempre perto do meu - pensa na minha vida como uma longa missiva a ti dirigida, um eco de mim que te chegará sempre onde quer que estejas. Só assim me sinto ser eu - a pessoa que baptizaste com a luz dos teus olhos e a certeza de que virias.


Foste uma companheira - para mim e para todos a quem abriste o teu coração.


Sei que lugar me deste nele - e que lugar se tornou a minha vida depois disso.


Retribuo-te com a certeza que a minha vida seria maior, se desse metade dela para poderes viver outra vida comigo - tudo do ínicio, tudo outra vez - essa descoberta do que trazes cozido na carne para, no fim de tudo, saber que os nossos nomes moram juntos nessas casas que, eu e tu, nos tornamos para a nossa história.




Parabéns, Vovó.

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