Rewind

sábado, 14 de outubro de 2017

Avô,

quase como se a saudade fosse uma primavera que pudesse nascer sempre da fenda mais funda

e trazer flores.

assim te lembro, meu querido. 

quase 18 anos depois - e ainda, não ter havido ninguém como tu; eu ter deixado por dar, no cabide da vida, infinitos abraços que só podiam ter sido teus, passeios que não dei como se, sem ti, a estrada fosse um rio sem margens; ou o terem morrido poentes que não contemplei por não podermos estar juntos no terraço eterno da nossa amizade. 

e, depois, saber que toda a vida pedias à Vovó, 

Milinha, já há flores no jardim. Podíamos ir à Aparecida deixá-las à Mãe.

e o meu coração se encantar sempre com esse teu lado tão doce, a minha pele se arrepiar com a devoção que sempre nos tiveste, a mim e ao A. 

toda a tua vida com saudades da tua Mãe que te lia à lareira, toda a tua vida com uma fé de aço no milagre que te aconteceu nos braços dela. 

não há primavera que não me lembre de ti e não há flor que se abra que não me traga o cheiro da verdade com que nos tivemos e uma vontade intensa como um gume de que tivesse havido mais tempo. 

sabe, avô, que a saudade com que te chamo traz sempre flores - houve-as de sobra nas bordas do caminho que fizeste comigo. 

mesmo assim, tal como fazias tu, também o meu coração terá sempre para te dar todas as flores que só o adubo doce do teu esforço, do teu amor, da tua bondade, farão, um dia, brotar do chão ainda desconhecido do meu futuro. 

serão todas tuas. 

se puderes, vem colhê-las. 

não sei se as flores de um neto podem cheirar a gratidão, mas eu sei que, tal como o teu coração nunca se esqueceu de as deixar onde o amor lhe soava mais fundo, tu saberás melhor que ninguém o que te quero dizer. 

obrigado

se puderes, pede um poente no banco do costume 

só para que possa ser primavera

e, só desta vez, tu possas levar das minhas mãos as flores com que a minha saudade não te esquece. 

[nunca.] 

RM| XIV|X|MMXVII
     

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