Rewind

quinta-feira, 14 de junho de 2018

Milinha,

Milinha, meu Amor, 

Há um só tempo verbal possível para o nosso amor - o presente-mais-que-perfeito. 

Nunca vivi um dia sem saber que me amavas - no coração de uma criança como eu fui, o medo não pôde nunca existir - tudo foi felicidade, os braços da luz chegaram ao fundo da sala onde o coração se escondia e tudo quanto era dúvida teve fim. 

Toda a vida quis ser digno do amor de uma mulher como tu - imensamente complexa e inteligente, intensa como um dia de Estio longo e demorado, sensível como a mais bela das flores, exigente como quem sonha um tamanho que ainda não há, um céu a que ainda se não chegou, uma maré que ainda se não navegou. 

Todos os meus dias te repetem - o meu coração tem no bater o compasso daqueles que ama e, sei-o bem, ter merecido o teu amor é, até hoje, parte do cimento da minha carne e dos meus ossos, parte da minha esperança no futuro, da minha fé nos regressos, reencontros e na emenda de todos os males. 

Se não estás, não sei bem o que fazer comigo - a pele é, de súbito, grande demais, como se a roupa não me servisse - emagrece-me o ânimo, encolhe-se-me a fé, estreita-se-me e esgana-se-me o horizonte e as nuvens tapam o tecto todo do corredor do futuro. 

Tu, o Avô, os Pais e a Gó puseram-nos, a mim e ao A., do lado dos preferidos toda a vida - sabes, tenho regressado muito a esse tempo quando os nossos corações caíram, sem saber e para sempre, sob o feitiço eterno do vosso encanto, da vossa sabedoria, do vosso esforço, da vossa abnegação e entrega absoluta ao cozinhar dos nossos seres. 

Espanto-me com a facilidade com que abdicas, dás, renuncias e nos desejas apenas um futuro onde tenhamos mais, melhor, tudo e quanto possa caber na medida gigante que o teu coração tem.

Nasceste com uma urgência de ser, um sentido de missão e de liberdade, uma ânsia profunda de justificação diária para ti e para o teu caminho que, de pequenino, sempre me espantou. 

Nunca terei o teu tamanho, eu sei. 

Mas peço-te, Milinha, que te demores - como no terraço de nossa casa, deixa-me correr até à ponta onde me esperas para me agarrar e, depois, esquece-te das horas. 

Uma vez, meio a brincar, em pequeno, 

Vovó, nunca me fujas, nunca partas, que eu vou direitinho atrás de ti!,

Acredito, ingenuamente, talvez, que as minhas palavras te protegem. 

Que, quem nos ouça, algures, saberá a absoluta necessidade que temos de ti e, por isso, nos tem deixado demorar os abraços, largar os relógios, serenar os corações perto uns dos outros. 

Nasci, talvez, para ver no fundo do mar dos teus olhos, o sol mais bonito e luminoso. 

Nasci, decididamente, para vos amar - a vocês que me pegaram ao colo, que me levantaram mais alto, que foram o meu chão e a minha estrada, o meu obrigado. 

A ti, Milinha, tenho-te como uma oração, um antídoto contra a tristeza, uma varanda onde eu vejo o mar mais azul e bonito de sempre. 

Nunca terei o teu tamanho, Milinha, eu sei. 

Mas, por ti, por vocês que sonharam um céu que ainda não existia e, pegando-me ao colo, me deixaram tocar o milagre infinito do amor, eu nunca fui tão grande e tão altos foram os meus sonhos. 

Obrigado. 

RM|XIV|VI|MMXVIII   

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