Rewind

sábado, 8 de setembro de 2018

Vovó,

Tenho vontade de ti todos os dias. 

Pela manhã, durante toda a minha vida, da janela do meu coração, houve o azul atlântico dos teus olhos - até hoje. 

E eu fui imensamente feliz na liberdade brincalhona com que aprendi a nadar-te o coração, a conhecer-te as marés, as zonas de rebentação, as grutas de rocha onde me levaste a conhecer de ti todos os segredos; ao receber a poesia do luar que te escorre dos olhos quando te seguro nos meus braços. 

Contigo nunca perdi o pé - és uma das minhas bóias, a praia onde vou para descansar, onde nunca me faltou tempo, onde volto para saber e me lembrar da criança que tinha uma crença desmesurada na luz do mundo; para saber que, apesar de tudo, ainda é possível renovar os meus votos de absoluta gratidão para contigo e para com os meus. 

Sou mais vosso do que, no fundo, sou meu - o meu lugar é o lugar onde estiverem, a minha casa é o lugar onde podemos estar juntos, a minha estrada aponta sempre o caminho do vosso nome. 

Vou para fintar o medo, para arrumar os destroços da tristeza, para me espantar com a tua coragem, a firmeza do teu desejo de bem, de futuro, de redenção e de amor. 

Digo-te, 

Não sei viver sem ti, Vovó, sabes?

E tu, pendurada no meu pescoço, as lágrimas no canto dos olhos, 

Nem eu sem vocês, pequenos, 

E eu, sempre mais crente nos milagres dos homens por vossa causa, acho, todavia, que há alguém que nos ouve e nos deixa ficar juntos - só porque uma criança não pode sentir um amor destes e não ter a quem o entregar. 

Eu, na verdade, não entrego amor - devolvo, retribuo, estendo os braços a quem, primeiro que as palavras, que o ruído do mundo, me gravou na pele, para sempre, o calor de uma morada. 

Telefono-te nem que seja para dizer, 

Milocas, malandra, gosto muito de ti!, 

E, se não falo de ti, tu és o meu norte em todos os lugares, pelas portadas de osso do meu peito, ouve-se no vento a tua voz. 

Tenho uma alegria infinita em que sejas, mais do que tudo, minha amiga, minha cúmplice e que, sem sabermos bem como, os nossos corações tenham falado a mesma língua, precisem, até hoje, do mesmo e se queiram sempre juntos. 

Tenho vontade de viver porque o azul de todos os céus, em todos os lugares, todos os dias, me lembra do azul dos teus olhos.

Sei que tenho uma casa. 

Voltarei sempre, Milocas, para descansar junto da areia da tua pele. 

Entrarei na vida, como, até agora, mergulho no mar - de cabeça.

Graças a vocês, nunca perdi o pé. 

Graças a vocês, há a possibilidade de um abrigo em cada porto a que chego. 

Foi debaixo do céu azul dos teus olhos, que me aconteceram todos os milagres. 

Por tudo isso, meu amor, obrigado.

Ouço-te passear-me nos ossos como o vento. 

O meu coração é uma janela aberta e há luz. 

Chama-me que eu vou. 

RM| VIII-IX-MMXVIII

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