Rewind

sábado, 30 de julho de 2011

obrigado.

Para isso queres o tempo. Para entrares, tomares o teu lugar e deixares o tempo voar na brisa de um dia quente enquanto a vida acontece do lado de dentro.
Quiseste o tempo para ainda ires a tempo de os lugares onde chegaste serem um caminho cheio daquilo que, afinal, fez com que tudo sempre valesse a pena. A tarde caía e estavas onde sempre pertences - uma casa grande, cujas paredes contam o quão grande pode ser uma vida feita desse cimento que é o compromisso e o amor feito promessa renovada todos os dias. Há um lugar que nos prende sempre - um espaço onde cabem os nossos maiores sonhos e o lado mais frágil do que somos. Depois de tudo, há lugares onde o nosso corpo, as nossas palavras e os nossos gestos encontram um tom natural e tudo se expande como uma manhã fresca de Primavera.
Quiseste que o orgulho lhes enfeitasse o olhar - cedo percebeste que o amor se revela pela nudez iluminada de um olhar.
Chegas e há um sorriso que se abre num compasso rápido, numa pincelada rápida e marcada. Há um mundo que te celebra e te recebe. Quando se ama tem-se esse medo de perder - por isso, os maiores amores são fintas que pregamos no jogo absurdo que a vida pode ser.
Há coisas que desejamos sempre no seu lugar - a Gó no seu lugar na cozinha no meio dos doces, das receitas e desse mundo misterioso dos cheiros e dos sabores. O meu avô com esse espírito de ferro e alma de sonhador que nos quis a todos sempre maiores e protegidos pela grandeza dos gestos, da força, do empenho.
Os meus pais que nos viram crescer e quiseram-nos como uma morada aberta em que se inscreveram os nomes daqueles que sempre desejaram para nós uma vida cheia e puseram nesse desejo a força de um punho cerrado de convicção e coragem.
Cresci abençoado por pessoas excepcionais - e penso que tenho Deus na revelação desse amor que nos fez uns dos outros. A minha família é a minha fé porque significa para mim o único absoluto na vida. Tenho saudades antes da distância.
Não há amor verdadeiro sem medo - medo de descobrir no cimo das escadas que à mesa podem não se sentar mais aqueles para quem sempre me fugiu o ser, sob cujo olhar atento me fiz assim.
Há dias em que se sente ter vivido uma vida - pelas palavras que trocamos voltamos todos a ter o que perdemos: acariciamos as perdas com a nitidez da memória e chamamos para se sentarem connosco todos os que nos foram fazendo guardadores de sonhos, dos seus nomes, dos seus feitos, dos seus traços e características mais vivas.
Há muito percebi o que é esse tentar inscrever na maré dos dias o desejo de que ela não nos leve para longe uns dos outros.
Haverá sempre uma casa grande e uma mesa reluzente de felicidade, porque haverá sempre espaço na minha vida para ser a pessoa de cada um deles. Serão sempre meus e juntos numa mesa de lanche tudo será inteiro.
Há dias em que quiseste chegar, tomar o teu lugar e seguir nesse caminho que é o teu. Pelas palavras que trocas, que envias e te dão, voltas a ter o teu avô e a ser sempre aquela pessoa que eles escolheram amar. Somos uns dos outros e chamamos uns pelos outros. A memória não é senão uma espécie de corpo que refazemos para que os outros possam existir mais.
Há pessoas que fazem uma vida valer a pena - eu e o A. crescemos debaixo dessa sombra fresca que é como uma planície verdejante de vinhas plantadas pelos que vieram antes de nós.
A todos eles, que me deram dias cheios e uma vida maior, um obrigado.
Ao medo que é a sombra do amor acalmo-o. Mesmo que um dia partam, subirei as escadas de qualquer caminho. Sei para onde quero ir. E é para onde eles estiverem. Sempre.


Na vida partimos, afinal, sempre em direcção ao sítio onde precisamos chegar.

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