Rewind

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

enchamos com o que fomos, amor, o que nos falta,

enchamos com o que fomos, amor, o que nos falta.
 
retomemos, se quiseres, as conversas noite dentro - a tua pele um firmamento arrepiado com o desejo sempre em quarto crescente.
 
prometo demorar os dedos nas frases sem sentido que a tua boca deixa na minha.
 
prometo, amor, que esquecerei os versos breves e que não haverá silêncio dentro dos braços quentes destas paredes.
 
anda lá, sei que guardaste alguns dos meus abraços, alguns dos beijos longos com que te acordava de manhã. talvez estejam metidos dentro de algum dos teus livros, dentro de uma das gavetas da mesa junto à janela.
 
diz-me que vais procurar, diz-me, ao menos, que te lembras onde guardaste os poemas, onde ficou a pele das mãos toda escrita com promessas de saliva e sonho e que te recordas, amor, da distância que enterrámos todas as vezes na cama desfeita de manhã.  
 
voltemos, amor, à minha barba grande demais e à tua gargalhada quando andava cheio de sono pela casa.
 
vá lá, não sejas assim. 
 
eu depois levo-te a ver o mar e prometo adormecer no teu colo enquanto passeias ternura na curva do meu pescoço.
 
voltemos, se quiseres, às feridas e à tristeza - desta vez, não saias tão depressa, fica. desta vez, eu arranjo maneira de dizer
 
desculpa.
 
(a tempo) 
 
a tempo de ser ainda tempo de te segurar as lágrimas e de sentir um sorriso na tua língua dentro da minha boca.
 
sabes, amor, a tua ausência é como uma rua nova aberta agora - uma clareira de solidão dentro do hábito feliz que era ir buscar pão quente, que era ir comprar-te flores ao mercado perto de casa só para te ver sorrir numa manhã de sábado preguiçosa e doce.
 
sabes, os meus sonhos já tinham encomendado mais uma série de dias bons - a sério, é lixado ter que agora devolver uma série de jantares, uma série de boas noites passadas juntos, umas quantas idas ao cinema e, de certeza, amor, que não arranjo quem goste tanto como tu do cheiro da minha pele, da cor dos meus olhos ou do calor das minhas pernas.
 
percebe, querida, que sou guloso - chamei o futuro com as letras do teu nome e imaginei que era nos teus braços que me iria esquecer de conjugar a dor da partida, da separação e da saudade.
 
agora estou tramado e tenho aqui uma série de sonhos à espera de serem vividos, uma série de coisas boas que queria que viesses ver.
 
hei de falar-te, se deixares, da vontade que o meu corpo tem de se esconder contigo dentro da cortina de um banho quente; hei de te mostrar como a minha barba está mais curta só para o caso de te apetecer encostar em mim o teu corpo cansado ao fim do dia.
 
preciso, amor, que venhas dar carne ao meu sonho, por favor. sabes, a minha memória não sabe mover os dedos como tu fazias e desconhece, coitada, a arte do improviso que é tão essencial ao amor.
 
por isso, te falo, por isso, te escrevo. 
 
desta vez, antes de saíres, vou dizer-te
 
desculpa
 
[e talvez nem acabe a palavra porque os meus lábios vão de certeza querer agarrar-se aos teus.]
 
procura bem, amor.
 
nas gavetas, nos livros, na tua pele, no fundo dos teus olhos.
 
espero por ti no jardim junto ao mercado.
 
mesmo que não seja sábado, eu levo flores.

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