Rewind

sábado, 26 de dezembro de 2009

Morada aberta

Não queres vir habitar comigo o tempo onde a minha vida acontece? Fazê-lo correr rápido como uma criança sem fôlego depois de uma corrida? Contigo há sempre uma vitória - a vitória sobre o meu corpo e a vida; a vitória sobre o vazio do tempo. Contigo posso desenhar na areia do tempo que passa a forma perfeita do teu corpo e dar-lhe um sabor mais apurado depois de o fazer passar em cada dobra e curva insinuante de ti.
Não queres vir habitar comigo o tempo onde a minha vida acontece? E dar-lhe o sabor da tua pele para que o tempo me não saiba a vento que sinto e não vejo? Vem fazer dos meus dias a carne de todos os sentidos; vem habitar comigo esta ilustre casa de ninguém que é uma vida onde o tempo corre e nós o sabemos lá mas não é nada mais que um corpo que nos desgasta o nosso - como o mar de encontro às rochas. Vem morar comigo nesta praia e juntos habitemos o exílio de onde ele nos levará, um dia. Mas iremos juntos, abraçados na espuma e, aí sim, teremos deixado uma morada atrás de nós. Teremos habitado o mundo e semeado no fundo dos olhos desse fantasma traiçoeiro o que a espessura dos nossos dedos conseguiu gravar-nos na alma.
Vem habitar comigo o espaço onde a minha vida acontece. Contigo a minha vontade triunfará sobre o que sei que virá, mas não sei quando.
Viverei na ignorância do que corre ao meu lado. O galope que mora comigo é o do teu nome dito e redito vezes sem conta nas entranhas de mim.
Vem habitar comigo o tempo onde a minha vida acontece para que haja espaço. Para que do esquecimento de que a areia corre sempre e o mar a engole até que um dia chegue a nós, se possam abrir as janelas de uma morada ao sol.
Vem fazer desta morada no abismo, a primavera de todas as promessas e juntos ardamos até ao maior dos calores do estio. Mesmo que tudo passe e as ondas violentas do inverno nos engulam.
Sobre a areia da praia teremos feito nascer a fortaleza sólida do nosso amor. E terá havido um fundo na cadeia interminável dos dias; teremos feito as coisas mais intensas que é uma forma de vencermos o tempo contado. Vivê-las mais a fundo como dois nomes gravados na rocha.
Vem habitar comigo o tempo onde a vida me acontece. Só depois de ti a farei minha - com a mesma vontade com que agarro o teu corpo de areia - e, de súbito, vejo que o tempo tem a doce forma da volúpia e do recorte fino do teu corpo.
E então será o meu tempo - o meu tempo porque nele pus a forma do teu corpo e agora quem mora comigo na praia és tu.
Duas rochas, lado a lado.
Num longo beijo que o mar engolirá, um dia.
Mas que ficarão juntas como antes de tudo ter começado.

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