Ainda outro dia fiquei a ver-te dormir. O teu corpo quieto com os braços perdidos no mar suave dos lençóis que deixei a cobrir-te. Era tudo silêncio. Na rua apenas os corpos de sombras a vaguearem. Eu acordado depois do calor das tuas mãos e do lume dos teus olhos.
Dormias serena no ar fresco da noite. Deitei-me devagar bem perto de ti. Via-te no rosto o abandono que só recebe quem se ama. Não estavas ali tu. Ou antes, estavas ali toda tu - sem os esboços falhados de felicidade que o mundo espera de nós; sem a expectativa de ninguém cravada nas costas. Apenas tu - assim nua e com o direito ou antes a liberdade de nada fazer; de nada ter que dar para que te queiram. Queria-te porque podia entre nós existir o silêncio; podia existir a liberdade de sermos o que nos vem no sangue e não o que convencemos a pele a aceitar.
Passeei os dedos pela pele adormecida dos teus ombros e pelo leito suave do teu cabelo onde corria agora o brilho dourado da luz que pousava vinda da janela aberta. Podia ver-te como se estivesses sozinha. Havia intimidade na entrega abandonada do teu corpo - como se caísses de costas nos meus braços e não tivesses medo por me saberes ali.
Procuraste-me na cama. Vieste pousar a tua cabeça pequena no meu ombro. E nesse pedido e desejo que nascia do teu sono, vi eu a certeza que o amor só sabemos se existe quando desistimos da nossa vontade e ele chega. Na voz que fala por nós.
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