Rewind

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

raízes.

Há um apelo que nos desperta no peito quando voltamos às raízes - começa em nós esse fascínio do passado que se ouviu e se revê mentalmente com o cenário onde tudo aconteceu cravado no fundo dos olhos.
Ia muito lá em pequenino - levavam-me pela mão os meus avós que foram os maiores guardadores de sonhos que já conheci. Eram tardes do tamanho dos desejos que numa criança condizem com uma imortalidade que não se questiona.
Ouvia falar muito de quem morou nas casas, de quem percorria as ruas nos tempos em que os meus avós tinham a vida como um corredor de luz para percorrer.
Falavam-me de um país diferente, de um tempo diferente em que os abraços e as conquistas pareciam durar mais, sem que a voracidade do mundo as abalasse.
Tiveram uma infância feliz - e, mesmo já adultos, julgo que esse carinho pintado do verde dos campos e guardado pelos muros das quintas foi como uma espécie de abrigo.
Quando os ouvia fui apresentado a um mundo que dorme na sombra do tempo, para brilhar, ainda, nos corações deles.
Conheci as pessoas que foram o rosto do mundo para eles - contaram-me pequenos pormenores das vidas dos meus bisavós - cada palavra era um afago lançado contra as brumas do esquecimento e da distância.
Quem ama é sempre um bom contador de histórias, penso eu, enquanto me lembro de como sempre me abriram o coração para testemunhar esse tempo que não vivi.
Imaginava, maravilhado, essas casas grandes com essa massa sonora dos feitios que ecoam nas paredes como passos. Imaginava esse tempo de governantas gulosas e matreiras, de salas cheias com o tilintar dos copos porque se brindava sempre a alguma coisa ou a alguém.
Imagino a minha avó e o meu avô juntos no primeiro passeio como namorados - ando nas ruas onde isso começou e imagino a alegria que lhes enchia os corações de esperança que é o sentimento que nunca desaparece dos corações de quem amou verdadeiramente.
Há um orgulho que nunca se consegue dizer de ser poeira do chão desse caminho.
Visito o meu avô - imagino como gostaria de me ouvir as histórias dos meus dias, tal qual fazia quando era criança.
"- Então, pequeno, como foi o teu dia?"
Nasce sempre em mim essa vontade de lhe oferecer o meu tempo, para receber mais vida no sabor das coisas.
Imagino a minha avó apaixonada por essa ascensão que ela e o meu avô fizeram maior e sempre merecida.
Passeio-me no largo repleto de árvores que o Outono desnuda e revela - o mesmo chão, o mesmo cenário a testemunhar o passo da vida que ali parece afrouxar, no silêncio.
Penso no meu avô, que aparece sempre como se o chamasse da outra ponta de uma quinta, como quando íamos apanhar ouriços do castanheiro que algum trisavô plantou.
Fui acolhido no ventre quente da memória muito cedo - quase conheço quem nunca vi, quase me sentei à mesa de jantares que não me celebravam a mim, quase guardei no fundo do olhar esse baptismo renovado que são os afectos numa família.
Ouvi a meninice dos meus avós - agradeço aos que vieram antes de mim essa liberdade mais funda que tive. Sei que nasceu dos exemplos que se gravaram na memória dos que me acolheram.
Vou para perto do meu avô sempre que posso - guardo dentro de mim uma imagem perfeita desse homem tão maior do que eu.
E adivinho a saudade que vou ter da minha avó quando vejo o pôr do sol cair ao fundo da casa que a viu nascer.
Falo deles, escrevo-lhes em palavras uma sombra da luz que puseram no meu caminho.
E volto sempre - volto sempre ao lugar onde tudo começou para, de novo, ter esse tempo em que a memória era o fio que nos coseu a todos na alma a saudade como forma eterna de gratidão.

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