Rewind

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

do terraço.

Do terraço, a paisagem é como um corpo verde que descansa, sob o olhar do céu. O casario é como um bordado posto na paisagem pela vontade dos homens.
Vinhas a perder de vista, pequenos muros e pássaros num voo veloz e certeiro. Ao fundo, tanques como espelhos de água - aliados nesse hino de ampliar a beleza de certos lugares.
O meu avô nasceu para o mundo naquela casa e o mundo nasceu para ele com aquela forma de um sol como uma cascata de fogo, silêncio a boiar num ar de cristal e o cheiro das camélias que a mãe e as avós tinham plantado.
Há uma fotografia sua, em menino, agarrado à mãe no recato daquele jardim - era uma criança com um olhar sério mas fundo, com a meiguice desenhada na forma como olha para a mãe, que sempre se quis amparada por ele.
A roupa era ligeira e em tons claros - talvez fosse Estio, com esses rigores que o corpo finta com a leveza das cores e dos tecidos.
O mesmo lugar de sempre - as copas das árvores enormes, o mesmo cheiro e, hoje, os frutos que nós somos a pisar o mesmo chão. Na verdade, aquele jardim sempre me pareceu uma promessa de felicidade - ali, ao arrepio da vontade do mundo, posso ensaiar essa valsa dos afectos que, na vida, sempre me sobrarão para um tempo que não chega.
A minha bisavó tem no rosto um sorriso pequeno, mas onde se nota um olhar aceso - a cumplicidade acende no corpo uma acalmia imensa.
Visitei esse jardim sozinho - hoje, o meu avô já não chega da eira encantado com mais essa promessa que a natureza fez e cumpriu.
Mas, ali, no ventre escondido da casa posso ser parte desse fragmento de vida que é como um panteão de memórias que não se deixam morrer.
Desse terraço, o mundo parece um esboço de felicidade e eu sei porque o procuro. Aí, a mudança como que não sucede e sentimos, nós os que sofremos, que o mundo não se apressa para atraiçoar as nossas dores.
Tudo é como um cenário engalanado - todo luz e rumor de água que se perde para dentro de uma boca em ferida nos vales em brasa. E, de súbito, tudo se parece sempre e muito àqueles dias em que se chegava e a felicidade começava a acontecer.
O vento ouve-me os pensamentos e põe no verde das folhas que balançam a ternura da esperança que adoça os corações dos homens.
O vale é o lugar onde sinto que o teu nome mais existe - do chão a que tu dedicaste a tua vida, ainda há vida que nasce. Ainda há vestígios do teu amor pelas ramadas altas do tempo dos teus e da tua meninice.
Chego ali para me sentar a uma mesa - e não me sento sozinho. Comigo mora o exemplo desses afectos grossos como paredes de mosteiros, desses dias de trabalho e de esforço que imprimem no carácter dos homens a humildade e a gentileza.
O cheiro das flores balança no ar e perde-se de encontro a um dia que abriu num azul puro e cristalino.
Todos me ensinaram o gosto de estar perto - e é isso que procuro na casa mergulhada no silêncio. Estar perto - perto dos que me amaram e me fizeram com o exemplo e de mim.
A tarde cai sobre o verde - começa o silvo da noite e, dali, de onde vejo o mesmo de sempre - inteiro e uno - quase acredito que os teus olhos me seguem e me amparam.
O cenário estava montado e no escuro da noite, um eco dentro de mim diz-me:
A felicidade aconteceu.

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