Rewind

terça-feira, 30 de setembro de 2014

acorda-me ao saíres,

acorda-me ao saíres, amor.
 
somente no rumor faminto dos teus lábios, eu sei que o dia chegou.
 
apenas no encontro doce dos teus olhos continua o abraço que o poente da véspera atou mais fundo. 
 
somente na bainha de silêncio que se rompe quando dizes o meu nome é que o chão se junta, de novo, debaixo do meu corpo. e esse chão és sempre tu.
 
o sol a voltar de dentro da boca do mar, a luz da manhã a devolver o infinito à esperança que se alcança da janela do teu quarto e eu a acordar do naufrágio voluntário do meu corpo na arriba arrepiada do teu ventre.
 
acorda-me ao saíres, peço-te.
 
apenas o sabor do teu corpo me abrevia a espera, apenas o teu cheiro ainda preso nas dobras doridas dos meus dedos é o pavio de todos os sonhos que me esperam e até as sombras se atrasam no vício de espiarem as danças que lhes ensinas dentro dos meus braços.
 
acorda-me ao saíres e deixa, por favor, que a manhã comece pelo subir da persiana da tua nudez. deixa que se possa inventar um pedido mais na estrofe inacabada do meu desejo e deixa, se puderes, que o fôlego sereno da manhã seja o cais onde fico a gostar até das coisas que não dizes.
 
acorda-me ao saíres, amor.
 
há flores que quero que venhas colher no avesso da minha pele; há, ainda, luzes acesas nas partes de mim que sabem que uma noite inteira já não nos serve; que nem mesmo o tempo todo em que nos amarramos dentro do escuro chega, agora que sabemos que voar pode também ser nosso.
 
acorda-me ao saíres como se viesses nua bater à minha porta.
 
juro que hei de encostar-me todo à quentura de mel da distância que nos separa e sentir o sonho a oscilar-me no sangue - tudo como se, de súbito, fosse outra vez tempo de aprender o amor todo do princípio; como se, pela profecia de um louco qualquer, eu pudesse voltar a encontrar no desenho apertado dos teus braços um primeiro esquisso da casa do nosso encontro.     
   
acorda-me ao saíres, meu amor.
 
juro que vou passar os dedos devagar nos poros todos das paredes do teu corpo e ficar a ouvir estalarem-me na língua as tiras longas do soalho vivo das tuas pernas.
 
juro, amor, que vou subindo devagar dentro de ti, enquanto os meus dedos rompem os restos de noite na bruma fresca dos teus seios.
 
juro, amor, que se vieres nua bater-me à porta vou deixar-te entrar.
 
e, antes que o mar venha, vou, sem querer, desenhar-te rente à boca os sulcos fundos do meu nome. 
 
como se a manhã viesse apenas dizer-me que tu voltas.
 

Sem comentários: