Rewind

domingo, 22 de fevereiro de 2009

O Café de Fassbinder


"Oportunistas, jogadores compulsivos, cafeíno-dependentes, cowboys anacrónicos, gangsters, adúlteros incorrigíveis, falsários, criados endinheirados & outras criaturas virtuosas formam a fauna de O Café, a peça que o hiperactivo R. W. Fassbinder compôs após uma única leitura da comédia homónima de Carlo Goldoni. Na sequência da montagem da obra setecentista, encenada há um ano por Giorgio Barberio Corsetti, o TNSJ entregou a paráfrase livre de Fassbinder nas mãos de Nuno M Cardoso (...)"


"O vício é um dos temas mais fortes, e está tão patente na voragem do jogo como no consumo de droga. O café é aqui uma droga – ou a droga. A viciação atinge e corrompe as próprias relações. Elas estão viciadas, ou são, de alguma forma, viciantes. Diz-se por vezes que há uma “química” entre pessoas. Aqui há um químico, uma substância que gera uma dependência nos relacionamentos e impede que as personagens se libertem. O que coíbe, por exemplo, Vittoria de se libertar de um marido incorrigível? Ou o que faz Placida correr atrás de um traste como Leander? Há uma outra coisa que me parece importante assinalar: a sobrevivência pós-perda total. Eugenio e Vittoria sobrevivem à perda de tudo, incluindo a perda dos brincos, que são descritos como “o que resta da nossa felicidade”. Todas estas criaturas são, à sua maneira, sobreviventes. Sobrevivem à falência afectiva, à falência das relações e do que socialmente as sustenta, à falência de todos os valores, pulverizados pelo vício e pelo jogo. Mesmo os que ganham – como Leander, que ganha apenas ilusoriamente – estão em falência absoluta. É uma liquidação total. O capitalismo aqui instaurado não serve para criar uma “sociedade feliz”, uma sociedade em que se evolui para um bem-estar comum ou para o bem-estar de quem quer que seja. Apenas produz sobreviventes."

Nuno M Cardoso


Uma peça brilhante que vale a pena ir ver!

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