Rewind

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Os outros


Andava por esses dias com um desejo incumprido no peito. Não era nova a sensação. Já a tivera muitas vezes. Talvez porque ficasse sempre a sensação de que o sonho com o ar das ruas acontecia, invariavelmente, de forma diferente. Ou não acontecia de todo.

Sabia ter sido intenso. Sabia tê-lo queimado a dúvida, mais uma vez. E poderia até ter ficado sozinho. Mas já não importava. Gostava desse jogo de sonhar mas correr o risco de o querer já, de o sonho ter pele e andar nas ruas por onde passeamos os corpos.


Gostava de ter dito as palavras não confessadas, a escavar o ar frio das noites. Gostava de se ter dado e exposto como a mais alta e a mais íngreme das montanhas.


Vivia dos sonhos, mas não vivia neles. Gostava que no sonho coubesse a face exposta do mundo: o arame das palavras mais tristes, a crueza dos gestos mais magoados. E que tudo se resolvesse - como a vida que se cumpre sem travões e que sempre faz aproximar as almas e os corpos nesse único medo que é o de perder.


Mas diziam-lhe que isso, sim, era irrealista. Que não sonhar tudo perfeito mas continuar a acreditar e a chamar-lhe sonho era a quimera das quimeras. Que perdoar e ficarem saudades do que não continua no caminho não era certo.


Há muito que esquecera o manual dos orgulhos e desistira de tentar agarrar-se à ilusão solitária de vitória sobre os outros que resulta dessas regras. O que o guiava era esse amor quase incondicional que era o seu pelos outros. Com a única condição de viver enquanto o sentisse como tal.


E caminhava com esse desejo incontido no peito. Havia espaços abertos na sua vida. Horas que sabia teriam outro nome se viesse no tempo o que ele vira. Mas aprendera a amar o que vem. E ao que não vinha nunca esquecera o nome. Nem as falhas. Por isso, não era sonho. Era vida feita acima de nós. Vida feita dessa memória feliz que nenhuma raiva apagava. Defendia-se do mundo assim. Podiam roubar-lhe os sonhos. Mas ao pô-los no mundo, sabia o caminho.


E, com isso, podia caminhar sozinho. Não queria nada sobre os outros. Nem vitórias, nem nada. E não se sentia derrotado. Queria apenas a vida. Feita dos milagres que acontecem connosco lá, apesar de nós. Ou porque os outros eram essa espécie de fé. E então os milagres aconteceriam sempre por causa deles. Ele pelo menos acreditava que sim.

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