Está lida a última obra de Saramago. Devorada, será talvez melhor termo. Mistura de saudade e vício só podem dar nesta enorme sensação de contentamento, onde as palavras pouco chegam ou, se acabam chegando ficam apenas perto do que é sentir uma saudade morta, mas logo pronta a nascer nas folhas que ainda não há.Volta uma voz atenta, num tom de crónica, a fazer notar com a cirurgia habitual de uma linguagem cortante isso que é sermos gente. Isso de se abrirem em nós fendas onde se mistura o sentimento, onde se mistura o instinto, o medo, onde se infiltra a nossa humanidade que Saramago parece nunca deixar escapar.
Na viagem de um elefante, Salomão ou Solimão, sentimos que é em nós que o autor sempre acaba por tocar, não em vão, não sem aquela mordaz certeza que é para nós a ironia fina, o riso piedoso e a complacência resignada e sábia da sua voz.
Foi bom matar saudades ou, pelo menos, tentar fazê-lo. E talvez seja para mim esse o grande prazer desta obra de Saramago - o sentirmos uma sensação de prémio, de resgate. Não calou a doença esta magistral voz mas antes, ela voltou com o seu esplendor claro, cortante e fino e, isso, para fãs de Saramago e das suas letras como eu, é uma sensação de alívio e de alegria.
Obrigado a Pilar por, segundo o próprio Saramago, "não o ter deixado morrer."
E ainda bem.
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