Rewind

sábado, 13 de dezembro de 2008

As tuas palavras

As tuas palavras foram beijos.
As tuas palavras foram suor e sangue.
Foram força e alegria.
Foram memórias felizes, como vidas que se repetem com um prazer renovado.
Foram noite e deserto.
Foram roubo e esbulho.
Foram dor e luta; choque e saudade.
As tuas palavras foram silêncio e a vertigem alucinante de um urro bem fundo.
As tuas palavras foram arrepios que deslizaram nas minhas costas; foram a saliva que puseste no meu corpo.
As tuas palavras foram dádivas e o absoluto; foram apoio e abrigo, segurança e orgulho.
As tuas palavras foram música e reencontro e despedida.
Foram curvas na alma e pedras da calçada.
Foram água morna e gelo que rasgou as entranhas.
Foram segredos quentes no meu ouvido e festas mornas na minha face.
Foram vazio cheio de saudade e medo.
Foram viagens na noite e sono prolongado no colo dos dias.
Foram dentro e o mais fundo.
Foram abraço da vida contra a morte e uma ausência bem maior do que ela. A ausência de te perder, quando ainda te posso ter.
Foram desaire e ciúme e posse.
Foram carinho e ódio.
Foram mãos que quiseram agarrar o mundo.
Foram tentativa e frustração.
Foram choro contido e chama no peito.
Foram o mais perfeito dos luares e a mais altiva das ondas de prata.
Foram votos e promessas. Comida na mesa e a mais quente das camas.
Foram carne e espírito e a linha que os coseu.
Foram pesadelo e amargura. Foram leveza e ferro nos ossos. Foram expectativa e evocação.
Foram eu e tu e todas as vidas que nos cabiam na pele.
Foram nus e vestires transparentes, como a um véu.
Foram segredos desvendados e calados contra os olhos do Mundo.
Foram roda-viva e prisão.
Foram regatos e lodo.
Foram verde e gaivotas e o som delas nas conchas.
Foram estórias nas veias e tempestades no copo com os teus lábios lá marcados.
Foram páginas arrancadas e as que ficam com o pó do tenpo.
Foram o incontido e o desmesurado;
Foram a audácia e a comodidade
Foram partida e o que fica dela
Foram o fumo dos comboios nas gares
Foram aroma e o meu cheiro sem o teu
Foram os bancos vazios e estares sempre comigo
Foram tudo o que soubeste dizer por mim
Foram caligrafia falada
Foram refazer e desfazer
Foram perguntas e resposta
Foram nojo e repulsa e cansaço
Foram uma prisão em liberdade
Foram vielas e avenidas
Foram marcas e cicatrizes, chagas e rasgos fundos
Foram vapor de água que se infiltra
Foram cura e o fim do pranto
Foram refúgio e porta aberta
Foram telhados e janelas
Foram cantiga de embalar
Foram toque de anjo e garra
Foram rumores de folhas no caminho
Foram o lume aceso
Foram pedido e súplica
Foram orgulho cego
Foram partilha imensa
Foram pedras no bolso
Foram humildade e azar
Foram gargalhada imortal
Foram braços abertos
Foram religião, fé cega e ateísmo
Foram lágrimas de sangue
Foram pisares e repisares
Foram Sol e Lua
Foram naufrágio e salvação
Foram o bafo quente do Estio
Foram conspiração e tramóia
Foram ventos no peito
Foram horas sem tempo
Foram entrega
Foram desejo lançado às paredes
Foram dores que escorreram nas fachadas
Foram exílio e liberdade
Foram juventude e velhice
Foram branco caiado e negro escuro
Foram bofetadas e distâncias teimosas
Foram alucinação e tédio
Foram vozes de outros e solidão forçada
Foram espartilho e nudez revelada
Foram cegueira surda e as visões mais perfeitas
Foram passos e pontapés
Foram fendas e estilhaços
Foram guerras e cruzadas e a derrota mais humilhante
Foram perdão e remorso
Foram linhas da vida mais longas
Foram asfixia e o mais forte dos vendavais
Foram luzes no caminho
Foram estrelas e nuvens de algodão doce
Foram borracha no asfalto e o amarelo dos semáforos
Foram erva e montanhas
Foram lixo que se guardou
Foram baús e caixas de surpresas
Foram a tua boca desenhada
Foram um dedo apontado
Foram muros de desgosto
Foram portas entreabertas
Foram letras de um epitáfio
Foram ciprestes e margaridas
Foram luz e sombra
Foram belas e monstros
Foram língua e mãos
Foram amor ao contrário
Foram apostas e jogo
Foram risco e miséria
Foram noites ao relento
Foram companhia e cárcere
Foram discos gastos a lembrar acrobacias de corpos que já não há
Foram cartas não enviadas
Foram voltas ao Mundo sem sair de dentro
Foram fruto e flor
Foram apesares e porques
Foram chão e céu
Foram espasmos incontidos
Foram estrelas cadentes metidas no bolso
Foram azul roubado ao céu
Foram banhos de luar
Foram expiação e catárse
Foram bordados na minha pele
Foram rendas no meu cabelo
Foram rocha gasta
Foram tudo
Foram tudo e infinito
Foram tudo e nada
São memória do que fui
Contigo
E mais ninguém.
Ricardo Pinto Mesquita

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