Rewind

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Singularmente plurais

Tenho percebido que a vida do português é muito singular. Sim senhor, singular, assim sem mais. E literalmente também. Vivemos no país em que se tem "um sapato bonito"; em que se oferece à canalha um "calção" que é um máximo; um país que usa "cueca" tanga, segundo se consta pois então. Somos o país (pobres do escoceses) em que os homens, e muito bem, usam sempre uma "calça" que deixa ver o "boxer", embora isto já não esteja tão bem, se calhar.
Há nos portugueses males da vista com cada vez mais frequência e então o português adorna agora a sua figura com o belo do "óculo", a dar ares de quem pelo menos já (parece) saber ler na diagonal - magistral arte que se diz remonta ao tempo em que, coitados, não tínhamos tempo de ler na horizontal para expulsar essa cambada funesta dos árabes. É o que se diz, não sei.
Portugal é o país onde mulheres se reúnem histéricas em torno do "grupinho de fãs do pé de gesso", tudo para que o homem que é o seu e das suas vidas para sempre (enquanto dure) continue a calçar a bela da "meia" bráánca. E para que tudo fique a fazer um pandam bonito de se ver e que pareça bem, há que calçar aos estupores que Deus, apesar de não constar que tenha participado no acto, se diz ter posto no Mundo com o belo do "téni" Nikes, igualmente bránco.
Os Portugueses andam com fome, é o que é. E devoram os "s" como se não houvesse amanhã (e se calhar não há que isto está só para quem pode e só Deus (mais uma vez) é que sabe). Mas o que reparei com uma curiosidade maior é que os Portugueses comem sem mastigar, engolem a bela da letra, assim "zás" sem pensar (pois) e depois ruminam e regurgitam-nas uns momentos depois.
Repare-se nos moçoilos que tentam apanhar o autocarro a arfar, prestes a morrer precocemente de uma apoplexia debaixo do peso bruto de quase seiscentos quilos de manuais escolares (terão um óptimo curriculum, se sobreviverem. Há riscos que valem a pena, certo?) que, como dizia, correm, correm em cima dos Nikes bráncos e acabam por ver a merda do veículo levar-lhes a esperança e o resto do ar, assim sem qualquer misericórdia ou piedade.
Eis que se ouve logo um coleguinha a gritar a plenos pulmões (cheiinhos de nicotina que a gerinha num tolera aqui tonos da merda): "Ei, oh Balter já fostessssssssssssssss!" E ei-lo aqui. O "s" ingerido horas e dias antes, no acolhedor ambiente da família em que muito assim se cunbersa, vomitado assim como na maior das verborreias.
E é isso: os portugueses fazem a digestão do Mundo através da bela da língua que nos calhou na sina.
O Balter tem uma casa e uma família, sim, aquela que atrás dissemos que muito cunbersa enquanto digere, o Mundo e a refeiçom, e todos eles se juntam a assistir ao espectáculo triste daquilo a que num tempo muito distante, se diz ter chamado telejornal. O pai de "óculo", a mãe que calçou o belo do "chinelo" para onde lhe fugiu o pé (e não só) e o Balter no máximo da partilha e da troca de experiências.
Eis que a mánhe solta do mais fundo que há em si (e a senhora parece de todas as vezes e a cada troada cada vez mais funda): "Bistéis aquilo? O gaijo está-se a cagar pró segredo de justiça." Note-se que talvez nenhum dos três tenha verdadeiramente percebido qual era o segredo que essa tal de Justiça tinha e porque é que o homem barrigudo de fato se estava a "cagar" para ele, segundo se tinha "escuitado".
A mánhe do Bálter diz que tinha ideia de ter ouvido falar de uma mulher meia tolinha e ceguinha, coitada, que andava com uma balança sempre na mão. Mas támenhe já ninguém a bia e sabia dela há muito". Se a mãe do Balter escrevesse ou pudesse escrever o que diz aposto que morfava, passo a expressão, ali o "h" também. Há muitos assim. (Eu não como. Não me apetece um "h" e já lá vai o tempo da sopinha de letras.)
As notícias continuam. O Balter hoje fez merda da grossa la na "iscola". (Como narrador estou só a citar, perdoem-me a rudeza do palavreado)
Sim, o Balter tinha esbofeteado a professora, vulgo " a Belha do ca...." depois dela coitada lhe ter pedido para se calar. ( É assim eu aqui, como narrador, se calhar não muito bom, tenho para mim que ela lhe devia ter dito para "fechar a matraca", "calar o bico" e afins do mesmo calibre, e tenho a certeza que o jovem pupilo de 22 anos e no quinto ano (diz que agora não se chumba) ia certamente perceber que a querida da "belha" só queria que ele mantivesse os lábios semi-cerrados durante o tempo lectivo. Devia ter ido para professor, é o que é. Toda a gente diz que tenho "jeito" que, em Portugal é ter tudo, mesmo que não se saiba o que se tem.)
Como dizia, o Balter mandou "ganda galheta à Profe" e como se não bastasse "amandou-lhe cua mesa à tromba, bem no meio daquela fronha que parece papel amarrotado" (O narrador pede que se registe que está condoído e desiste do sonho de ser professor, dizendo que o melhor mesmo é aprender ele a fechar o bico).
E a mánhe só diz: "O que é que fizestessssssssssss, Balter Joshua?" "Porque é que batessesssss no raio da mulher, ca..........lho?" (Ora bem, cá está a bela da progenitora às tantas não tão pedagógica como a "Belha", mas seguramente mais persuasiva no auge do seu "mostrar como é que é." Que pena que não lhe demonstrou como é que tudo devia ter sido desde início.)
"- Óh mánhe ela mandou-me amostrar o têpêcê e eu num tinha percebido nada e num fiz e a culpa é dela que num sabe eixplicare... óh mánhe é berdade, juro. Oilha tu aichas que eu te minto?"
E a mãe depois de ter espetado duas lambadas na cara da cria quase obesa mas sempre mórbida, teve um súbito achaque e aliou-se no complot contra a "Belha". (Cá para mim a mãe não sabia o que era isso do "têpêcê" e deve ter achado demais para o seu queridinho. Diz que se falou em processo contra a professora e que umas psicólogas "quaisqueres" juraram que era verdade que o menino iria sofrer de "stress pós-traumático". A mãe não percebeu nada, mas eram médicas e estavam do lado do golias do filhote e isso "chigava".)
Com tudo isto que se contou (esquecendo o pé de gesso, literalmente, da professora) fiquei a pensar que, a propósito da digestão que alguns de nós fazem ao falar, é mesmo preciso ter estômago. Ou quatro estômagos, assim no plural, como as vacas. Desta maneira sempre se compreende muita coisa. Ou nada, que talvez seja melhor.

1 comentário:

Inês disse...

O meu top fibe:

. Eis que se ouve logo um coleguinha a gritar a plenos pulmões (cheiinhos de nicotina que a gerinha num tolera aqui tonos da merda): "Ei, oh Balter já fostessssssssssssssss!" E ei-lo aqui.

. E a mánhe só diz: "O que é que fizestessssssssssss, Balter Joshua?" "Porque é que batessesssss no raio da mulher, ca..........lho?" (Ora bem, cá está a bela da progenitora às tantas não tão pedagógica como a "Belha", mas seguramente mais persuasiva no auge do seu "mostrar como é que é." Que pena que não lhe demonstrou como é que tudo devia ter sido desde início.)

. Com tudo isto que se contou (esquecendo o pé de gesso, literalmente, da professora)


. O Balter tem uma casa e uma família, sim, aquela que atrás dissemos que muito cunbersa enquanto digere, o Mundo e a refeiçom (...)

. O pai de "óculo", a mãe que calçou o belo do "chinelo" para onde lhe fugiu o pé (e não só)...


No almoço da Natal vou divertir a minha querida família de professores lendo-lhes esta crónica. Ah, e a minha mánhe bai substituir o nome do Balter por Bánia - é-lhe mais familiar :)

Agora ao ler isto parecia mesmo que estavas aqui à minha frente a debitar texto àquela velocidade a que só tu (e as Gilmore Girls) conseguem falar dizendo coisas brilhantes. Kisses