Rewind

domingo, 19 de outubro de 2008

O coração

Quando se gosta é difícil esperar. Quando se gosta, gosta-se e pronto. Gosta-se com esse "ir sempre à frente do coração", que o corpo depois deve acompanhar. Ou tantas vezes não pode, não deve, mas vai. E, de facto, o que somos nós sem ele? Nunca vos saiu do peito desabrido o coração?
Basta soar um "fazes-me falta"; um "preciso de ti" ou simplesmente, basta-nos ouvi-lo no silêncio ou num olhar que o diz melhor. E lá vai, sem pedir, sem avisar o coração que chega sempre primeiro. E chega porque, de repente, é todo daquilo ou daquela pessoa que chama por ele.
Não posso viver sem coração. E, sinceramente não lhe ensinei a partir, assim. Apenas gosto de acreditar, sei lá, que só se pode ser dessa forma e pronto. E, com efeito, que outra maneira de gostar que não essa - a do só fazer sentido estar onde nos sentem a falta; a de darmos aquilo de que precisam?
No fundo, fazer isto é ser egoísta. Porque é dar a mim mesmo a maior, a mais límpida e clara das felicidades.
É sentir vontade de ser o primeiro e o mais quente dos incêndios; é desejar ser a mais abundante e fecunda das chuvas; o mais forte e tenaz dos ventos. É arder como a mais luminosa das piras e o mais brilhante dos faróis. É fecundar de novo a terra calejada dos trilhos anteriores. É trazer com o vento os ecos distantes do que te pareçam sítios e lugares mais amenos para viver.
E perguntarem-me se gosto disto, seria como perguntarem ao céu para quem acende, todas as noites, o maralhal de luz e de esperança no tecto do Mundo.
Por isso, sigo o meu coração. Não lhe pergunto porque o faz. Muitas vezes, até, nem o entendo. Mas ficar sem ele ou pedir-lhe que volte, são coisas que não funcionam. Ele teima em permanecer onde o chamam. E continua a falar talvez com esperança de que, do outro lado, haja alguém que precise da sua voz.
Depois de muito pensar percebi que mais do que meu, o coração que de mim tantas vezes se desaloja, é dos outros. Desses em cujos peitos ele também faz a sua casa. Desses cujos passos ele segue.
Não é fácil viver com um coração assim. Porque não bate ele só por mim?
O meu coração explica-me que pulsa por aqueles de quem lhe ensinei a memória. A quem dele dei um pedaço. Um pedaço que ele segue sempre; encontra sempre.
E de cada uma dessas vezes, em cada um desses reencontros bate sempre com mais força. Como da primeira. E eu gosto dele assim.

2 comentários:

Gabriela disse...

Ricardo, não sei como vim parar ao teu blog, mas não queria ir embora sem te dizer que, além de teres uma escrita perfeita, passas emoções extraordinárias a quem te lê... este post, especialmente, é um assombro de sensibilidade e de generosidade. O teu coração, na verdade, nunca poderia ser só teu, de tão grande. E ainda bem. Ficamos todos a ganhar com isso e com a tua generosa partilha.

Eu cá já vou mais rica depois de ter vindo aqui, por isso, muito obrigada pela belíssima reflexão, pela magnífica música e pela poesia de Robert Frost (acredita que vale sempre a pens seguir por aquilo a que ele chamou "the road less travelled by"...).

Beijinho

Inês disse...

Subscrevo. Ainda estou a digerir este post :)