Rewind

terça-feira, 28 de outubro de 2008

"Salta!"

Um dia destes, no meio da cidade de sempre, a vida que só acontece às vezes veio ter comigo. Confesso que ia numa dessas horas perdidas, sim, numa dessas horas que se consomem no intervalo da vida. Como o desejo que temos do que se vai passar a seguir. E, como dizia, lá ia eu não a passar o tempo, mas a consumi-lo, quando passam por mim um miúdo que devia ter a minha idade e uma pequenina que tinha a idade da inocência, essa que parece nunca acabar.
Era um miúdo normal, alto, muito maior do que a miniatura enfiada naquele vestido catita que o vento, sem malícia, às vezes, levantava um pouco. Iam os dois, lado a lado. Ele olhando-a com toda a ternura e o cuidado que os seus olhos mostravam. Ou mais, nunca se sabe. Ela com a graça leve de se sentir protegida.
Ela, do nada, com uma voz de algodão-doce diz: "Salta! Faz como eu! Vês? Eu consigo saltar!"
E ele: "Saltar? Eu?! Ahhh já consegues saltar."
Não ouvi mais a conversa. Mas fiquei a pensar. E descobri que não devemos deixar que a criança que há em nós desapareça e leve com ela o despudor e o suor da liberdade.
Ela saltou. Só depois reparei que, ali ao lado, do lado de lá de um portão enorme, estava um cemitério.
E tive a certeza de que ela, apesar de mais pequena, foi quem chegou primeiro ao Céu.

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